A violência política não é exclusividade da esquerda, mas encontra nela sua mais eloquente expressão.
Se é verdade que abundam fascistas capazes de atrocidades, também é verdade que o ímpeto ao atentado político é rotina entre esquerdistas. Os motivos são simples e simplórios como toda política ruim costuma ser: o radical acredita que a única maneira de fazer justiça é destruindo o Estado, as instituições, a moral, o odiado status quo.
Trocar a ordem de hoje pela desordem de amanhã é o impulso que anima o revolucionário. O rousseauniano pretende tornar ao ground zero da cultura, à pureza adâmica antes da corrupção burguesa. Por ordem vigente entenda-se o que estiver à mão da ideologia: o rei, o papa, o presidente, o ditador, o capital, a mamãe, o papai. Tudo é motivo para quem não precisa de motivos.
O jacobino quer atingir o máximo de política com o mínimo de política: em vez do voto, do parlamento, da campanha, das ideias, dos debates, recorre-se à faca, à bomba, à emboscada, ao assassinato, à traição.
“O homem só será livre quando o último rei for enforcado nas tripas do último padre”, disse Jean Meslier.
Nosso Jean Meslier atende pelo nome de Adélio Bispo de Oliveira – o Robespierre de fancaria, o Esteves sem metafísica da política brasileira. Filiado ao PSOL, denunciador de golpes imaginários, defensor de Lula. E, na expressão facial aparvalhada, um inequívoco manequim de Cesare Lombroso.
A facada que ele desferiu em Jair Bolsonaro é a negação da política e traduz, com ela, o que todos parecem querer: a derrubada do sistema, o pau que enverga, a ação direta. “Joguem uma bomba nesse Congresso!” “Matem o Lula de uma vez!” “É golpe!” “Lula livre!” “Metralhem a petralhada!”
“Nada mais cretino e mais cretinizante do que a paixão política. É a única paixão sem grandeza, a única que é capaz de imbecilizar o homem.” (Nelson Rodrigues)
Há um fio invisível ligando a insanidade da lógica de Adélio à lógica da insanidade de Lula.
Não, Lula não esfaqueou Bolsonaro. O autor tem nome e sobrenome, Adélio Bispo de Oliveira, e costumo atribuir culpa a quem é diretamente culpado. Entretanto, o que Lula e o PT têm feito no país – e ao país – é atentar contra a ordem jurídica e institucional. Se a esquerda quer acusar o Capitão de jogar gasolina no fogo, tem de primeiro assumir a autoria do incêndio.
Descumprir decisões judiciais, resistir à prisão, ignorar as regras eleitorais são expressões que de alguma forma contextualizam, motivam intelectualmente, gestos terríveis. Saber perder no xadrez democrático é tão importante quanto saber vencer, e todos no fim ganham com isso. Apostar tudo contra o sistema é alimentar esse tipo de tresloucada medida. Essa facada tem a mesma natureza simbólica do “eu quero ver o pau envergar de vez”, do “nós podemos fazer o diabo quando é hora da eleição”.
Por outro lado, o nível de irracionalidade é tamanho e tão difuso que, no afã de apontar culpados, causas e consequências, há gente acusando quem critica Bolsonaro de ter colaborado com o crime. O General Augusto Heleno, numa fala temerária, responsabiliza “parte da imprensa”.
Curioso que os defensores do candidato argumentam que suas falas não justificariam nunca a agressão sofrida. Estou de acordo. No mesmo sentido, as críticas da imprensa são críticas, não são facadas. Eu, por exemplo, sou um dos críticos de seu modo de fazer e entender política. Continuarei sendo. Trata-se apenas de crítica. A instrumentalização do ato criminoso não pode vir de lado nenhum: nem de quem, à esquerda, o justifica; nem de quem, à direita, o capitaliza.
Isso é negar a política e aposentar a razão.
Também é oportuno lembrar que, coordenadas ideológicas à parte, o Brasil tem longa tradição no atentado. Entre outros, Líbero Badaró e Dom Pedro II; Prudente de Morais e Pinheiro Machado; Carlos Lacerda e Costa e Silva. Até o imortal, incorrupto e incriado José Sarney teve seus quinze minutos de hipotética vítima.
Que Jair Bolsonaro se recupere e dispute as eleições como convém. Seja criticado, elogiado, aceito ou rejeitado por suas ideias. Faça política e não se torne refém do revanchismo mimético que tende a produzir mais daquilo que se quer acabar. René Girard ensina que a escalada da violência termina por destruir a todos, vítimas e perpetradores, sem distinção.
“Ai do mundo por causa dos escândalos! É necessário que haja escândalo, mas ai do homem pelo qual o escândalo vem!” Mateus (18,7)
O momento é bastante oportuno para que os valores da convivência democrática, do império das leis e da liberdade econômica sejam apresentados como inegociáveis. Não há atalhos para a vida civilizada e justa. Caso venha a ser eleito, que Bolsonaro tenha a grandeza de compreender que não é preciso – nem possível – governar um país com a faca nos dentes. Porque dos dentes ao abdome, basta um fanático à espera de oportunidade.
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