Foto de Marcelo Andrade para Gazeta do Povo| Foto:

Antes das pesquisas, o contexto

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O surgimento de Jair Bolsonaro como player eleitoral aconteceu a reboque das investigações da Lava Jato. Ele estava lá, perambulando pelos corredores do Congresso e pelos bastidores das legendas, sem que ninguém desse por isso. Um objeto político não identificado. Deve sua relevância midiática aos escândalos petistas e aos embates com Maria do Rosário e Jean Wyllys.

Obrigado, Maria. Obrigado, Jean.

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Quem hoje aposta a salvação da mãe (e do país) no Bolsonaro, até há pouco tempo não se lembrava de que ele existia. É um voto-protesto, um voto-revolta. Um voto “contra o sistema”, “contra tudo isso que está aí”, ainda que ele tenha feito parte do baixo-clero desse sistema e de tudo-isso-que-está-aí por quase três décadas. Tempo demais frequentando o bordel para jurar virgindade, mas pai, mãe e eleitor sempre acreditam na inocência dos seus.

Nas eleições de 2014, cerca de 50 milhões de pessoas votaram em Aécio Neves, e me recordo muito bem do clima festivo quando ele se aproximou dos calcanhares sujos de Dilma Rousseff. Algumas figuras bastante influentes que hoje desprezam (com razão) Aécio Neves, e apostam (a conferir) em Jair Bolsonaro, naquela época acreditaram que o tucano mineiro seria uma opção razoável.

Dilma caiu, Aécio foi reduzido a pó, e na terra devastada que nos sobrou, Bolsonaro ascendeu com suas mitológicas frases e com Paulo Guedes como fiador intelectual. Não façamos juízo de valor. Quem gosta, continue a gostar.

Acontece que um dos problemas da candidatura de Bolsonaro é precisamente aquilo de que os eleitores dele mais se orgulham: quem não está com ele só pode estar contra ele.

O recrudescimento do discurso, armado num exclusivismo ideológico, sustenta essa visão de que se governa metralhando metaforicamente quem se apresente como voz discordante. É um risco. A estratégia acabará por fazer com que ele vá ao segundo turno apenas para participar.

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Depois do contexto, as pesquisas

Antes de mais, parto do pressuposto de que as recentes sondagens de intenção de voto estão certas. Estão certas mostrando que ele é líder no primeiro turno: de fato, é líder, tem uma base interessante e sólida. Podem estar certas mostrando que ele perderá no segundo para qualquer candidato: há rejeição também sólida e crescente.

Imagino que seus eleitores dirão que é fraude.  Ou melhor, só um pedacinho da pesquisa é fraude: aquele gráfico em que ele perde. O primeiro, em que ganha, é verdadeiro. Não faço questão de apostar, abundam gurus, analistas, cartomantes e desocupados para isso. Tem gente que confunde torcida com previsão. Escrevo sobre o que leio, ouço, vejo.

Mas o fato é que os números apresentados hoje representam bem a lógica (um tanto ilógica) da campanha de Bolsonaro. Não adianta elaborar conspirações nem reclamar de bruxarias. Essas pesquisas fazem sentido, são coerentes com a própria filosofia eleitoral do Capitão: dividir, rachar, nós-contra-eles, esquerda versus direita, mocinho contra bandido.

Outra coisa a se notar é que o impacto eleitoral do atentado parece ter sido menor do que se esperava. Brasileiro tem memória de quinze minutos. Em poucos dias, a comoção se transformará em indiferença. Para o bem e para o mal.

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Votar exige mais do que convicção no seu próprio candidato. Um discreto reposicionamento da “marca” seria interessante e não muito difícil. Basta vontade e abertura de foco. Ele tem de compreender que sua retórica não convence a todos igualmente; mais do que isso: ele deveria querer essa abertura. No segundo turno, terá de contar com os eleitores de Alckmin, Amoedo, Meirelles, Álvaro Dias e até Marina Silva.

Repensar a estratégia não significaria condescendência, mas sabedoria. Para ser eleito, precisa de uma grande parte do país; depois de eleito, governará para todo o país. Aliás, faixa presidencial no peito, quais são as opções? Ou aprenderá a negociar com o Congresso – e sabemos que negociar é ceder –, ou dará um autogolpe e se tornará ditador.

Hipotético governo à parte, ainda estamos em meio à disputa eleitoral, e se Bolsonaro não aprender a conversar com o eleitorado restante, este não quererá conversar com Bolsonaro. O resultado? Ciro Gomes, Fernando Haddad – o pior da esquerda de volta ao poder.

O voto útil terá sido inútil.

 

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