Imagem MARIEB, E. N.; HOEHN, K. Anatomia e fisiologia. 3ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2009| Foto:

Nel mezzo del cammin di nostra vita, resolvi que é chegada a hora de testar meu coração, antes que ele me teste e eu me perca na selva oscura. Meu pai já teve seus problemas com as coronárias e, ainda que eu me comporte até que bem, obrigado, não fume nem beba, minto, bebo, mas pouco, nunca me preocupei com alimentação ou exercícios físicos.

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Marco a consulta.

O doutor tem nome de explorador veneziano, mas é descendente de japoneses, o que me deixa sossegado como um buda. Tenho um incorrigível preconceito quando se trata de japonês. Preconceito a favor, registre-se. Até que me provem o contrário, japoneses são inteligentes e honestos. Qualquer japonês me engana tranquilamente, se quiser. Na dúvida, eles têm razão, sabem como proceder em caso de incêndio e fazem fila para esperar o apocalipse sem maiores tumultos.

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Consulta marcada às 15h. Sou atendido às 15h40. Isso é o máximo de pontualidade já registrado na literatura médica, segundo estudos. Médicos parecem não ter se dado conta da adoção do calendário gregoriano. Um dia para o médico é um mês. Uns minutinhos são umas horinhas. Quando “O doutor está quase chegando” é porque nem saiu de casa. “Está em cirurgia”, dizem, até quando está no cafezinho. Estão sempre em cirurgia, salvo quando não estão.

Ouço meu nome, seguido de “Pode me acompanhar, por favor?”

Posso.

Entro numa salinha para fazer o eletrocardiograma. “Tire moedas, chaves, celular, camisa, reputação”. Tiro. Então me besuntam com gel e me conectam a eletrodos. Sou convertido em paciente. Ganho respeitabilidade, status, poder. Os ponteiros sobem e descem, descem e sobem, termina o exame. A moça (era moça) me pergunta a idade. Respondo. E espero resposta. Nada de resposta. Saio com aquela cara de quem vai aproveitar os últimos momentos de vida.

Volto à recepção e espero. Espero. Espero.

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Posso, posso te acompanhar, sim.

Ele, japonês, ou descendente de japonês, me cumprimenta como um verdadeiro japonês do Japão. Mão fria, aperto leve, lacônica humanidade espremida entre os olhos. Eu não quero mesmo calor humano, eu quero o Jaspion, dispenso gentilezas.

Antes dos meus problemas, reais ou imaginários, comento os do meu pai.

Meu pai isso, meu pai aquilo, meu pai onde já se viu.

“Meu pai não se exercita, doutor, é uma dificuldade...”

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“Você se exercita?”

“Não.”

“...”

Depois de cuidar da vida alheia, sempre mais interessante, voltamos à minha.

Doutor, faça as perguntas, peça os exames, calcule as probabilidades, remende as válvulas – foi o que pensei, mas não disse.

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Ele analisa o eletrocardiograma.

Ele me pede para me sentar na maca.

Ele mede minha pressão e ausculta meu coração e não sei mais o quê.

Tento adivinhar qualquer coisa que seja olhando nos olhinhos dele, e é como tentar ler a expressão dum saco de gelo para churrasco.

Então preenche formulários, faz anotações e recomenda exames de sangue, de esforço, de sanidade.

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De repente, desanuvia a expressão e diz que “Aparentemente está tudo bem”.

Aparentemente.

Vamos manter as aparências, então.

“ – Mas é bom fazer os exames, não é, doutor?”

“ – É, nunca se sabe.”

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Nunca se sabe.

Saio do consultório “vagaroso, de mãos pensas”.