Roberto Alvim, secretário do governo Bolsonaro, foi demitido. Demissão injusta e mil vezes injusta, porque ele fez o que esperavam dele. Seu pecado foi ter sido explícito demais até para os obscenos padrões dessa, aspas, gestão.
Depois de publicar um vídeo em que psicografava mensagem de Joseph Goebbels, com um grau de fidelidade estilística e de familiaridade ideológica que me fez acreditar nos escritos de Allan Kardec, Alvim culpou assessores e jurou que a paráfrase era coincidência, das que acontecem todos os dias. Muito embora considere “perfeito” o sentido da frase.
Quem nunca fez discurso nazi sem perceber?
Ora.
Tão vergonhoso quanto copiar uma estrovenga daquela é escrever aquilo sem nem perceber. Ou seja, a filosofia está mais entranhada nele (retifico: nos assessores) do que gostaria de admitir.
E que coisa é essa de “arte nacional”? De arte com inicial maiúscula? Eu lá quero saber de arte em papel timbrado, que reflita esses e não aqueles valores, considerados nacionais ou comunitários, sentimentais ou verdadeiros.
A estética fascista e o realismo socialista coincidem no mesmo elã: desprezam e criminalizam a arte genuína como decadente, burguesa, gay, negra, judia, doente, ateia, cristã, suja, depravada, colonialista, individualista. Não deixa de ser triste que logo o Alvim, fundador e diretor do nada reacionário Club Noir, tenha se dobrado à ignorância.
Mas este foi apenas mais um episódio de um governo que, desde a pré-candidatura, anuncia a que veio e cumpre o que promete: governar como quem se vinga e justificar a inoperância política com os resultados (até agora tímidos) da economia. Como se, aliás, a política pudesse – e devesse – ser reduzida à cotação da Bolsa.
Pois a economia é muito, mas não é tudo. Filósofos como o falecido Roger Scruton, expoente de um conservadorismo que nada tem que ver com a balbúrdia tropical, e os mais citados que lidos (ou compreendidos) GK Chesterton, Michael Oakeshott, Raymond Aron e Edmund Burke, nunca submeteram o espírito liberal em política ao arbítrio e à volatilidade dos mercados.
O livre mercado é bom, eu gosto, mas ele costuma ser livre até mesmo das amarras éticas mais estritas, e serve para sustentar quaisquer regimes, inclusive os fascistas. O processo de mercado é amoral e, portanto, os valores individuais e comunitários dependem mais da interação na sociedade que propriamente do mercado, entendido de maneira abstrata. Nem todo ganho econômico justifica qualquer regressão política. Isso não é opinião, é história. Já deveríamos ter aprendido a lição.