De acordo com a Lei de Godwin, também conhecida como Regra das Analogias Nazistas de Godwin, ou, para fingir que conheço latim, Reductio ad Hitlerum, toda e qualquer discussão política, especialmente com o advento da internet e das redes sociais, terminará com uma das partes, ou ambas, acusando a outra, ou respectivamente, de que seus argumentos são, parecem ser, certamente serão, justificativas ao nazismo. Em português: quem não concorda comigo é sempre meio nazi.
Dizem os especialistas que isso é rematada e evidente falácia lógica, e eu, que não sou especialista, estou livre para dizer que isso é rematada e evidente comparação justa, razoável, comedida até, quando se trata de discussões políticas. Não gostou da minha opinião política? Nazista. Não gostei da sua opinião política? Nazista.
Isso porque, convenhamos, todo político é nazista até prova em contrário, e esgotados todos os recursos. Certo amigo não gostou que eu comparasse as falas inequivocamente fascistas do político de sua predileção e ponderou que a imprensa o julgava mal porque ela, imprensa, era predominantemente comunista. Quer dizer então que o discurso de um, mesmo que pareça muito nazi, não pode ser nazi porque quem o acusa é comunista? Continuemos.
O fato é que a política, que nos escritos de gregos e romanos até parecia vocação para gente de bem, terminou nisso que temos para hoje, nesse hoje que não termina nunca: troca de acusações, promessas absurdas e frustrações esperadas, impostos, taxas, mentiras, mentiras, mentiras. A regra de ouro é: desacreditemos de todos eles. Adote um político só para lhe cuspir ideologicamente na cara.
Porque estamos sempre a um passo de nos deixar seduzir por aquelas palavras, por aquelas promessas, que representam alguns dos nossos valores mais caros. Mas isso é perigoso. Morticínios começam assim. Afinal de contas, é preciso perguntar: quando exatamente um político populista deixa de ser apenas um falastrão e passa a cumprir o que promete e devemos nos preocupar? Decerto quando o populista que anunciava fascismos – de direita e de esquerda, registre-se, pois fascismo é élan autoritário e não programa – mover o Estado contra os primeiros desafetos.
Pois seria interessante acreditar piamente no que os políticos prometem, justamente para não permitir que cumpram suas promessas. Pior do que um político que não cumpre o que promete é um político que cumpre o que promete. O bebê Hitler certamente não era o Hitler que viemos a conhecer, propenso a descartar bebês. O Hitler jovenzinho talvez não passasse de um rebelde, ou de um tímido ressentido.
Mas como perceber o limite que separava o Hitler de antes do Hitler que veio depois? Não há como perceber, esse é o problema. Portanto, quando ouço, vejo, leio discursos políticos entusiasmados demais, ou que assim me pareçam, saco da tesoura para cortar as asas, o rabo e os chifres do bicho. Quando inventarem uma espécie de contraste para detectar fascismos verdadeiros, haveremos de sossegar. Enquanto não inventarem, haveremos de nos prevenir.
Ainda que a política real seja somente a realpolitik, prefiro descrer meticulosamente até mesmo – ou principalmente – daqueles que dizem o que eu quero ouvir. A vontade e a disposição para enfrentar eleições, subir em palanques, descer de palanques, prometer, fingir que não se prometeu nada, pedir votos, oferecer votos, sorrir para toda a gente, agradar a toda a gente, são comportamentos estranhos que me fazem desconfiar das boas intenções anunciadas. Subiu no seu palanque, caiu no meu conceito.
E, sim, todo político é fascista de saída e, se for muito honesto, se for bom como sua mãe diz que é, se for bom a ponto de não ter brincado de torturar bichinhos quando criança, tornar-se-á gente normal na chegada. Assim com os blocos de Michelangelo, para quem esculpir era apenas tirar excessos, assim com os políticos. Temos de meter-lhes a picareta e tirar-lhes os excessos. Não muito mais do que isso.
Originalmente publicado no livro
Saudades dos Cigarros que Nunca Fumarei, editora Record.
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