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O poder da Igreja e os poderes de ocasião

Foto Alan Santos/ PR (Foto: )

Governos comunistas têm o saudável hábito de perseguir religiosos e fechar Igrejas. Essa é uma tendência natural, esperada até, porque a religião muitas vezes é o único poder que se opõe ao poder temporal; não por acaso, os embates entre Igreja e Estado sempre foram quentes, e as tentativas deste para seduzir aquela não foram poucas. Em muitos momentos, houve inimizade escancarada; noutros, precária conciliação. “Meu reino não é deste mundo”.

Eu disse comunistas? Corrijo: Estados autoritários, ou de pendor autoritário, comunistas ou não. O fascismo é, mais que um regime ou sistema, um estado de espírito. A notícia de que o setor de inteligência do governo Bolsonaro sonda as movimentações clericais surpreendeu apenas quem está distraído ou não quer prestar atenção em nada que não corresponda às expectativas de campanha. A Igreja Católica é, para o muito “conservador” Planalto, um possível inimigo ideológico. Motivos? A Igreja se preocupa (sempre se preocupou) com o que os liberais de última hora chamam, cheios de nojo, de “questão social”.

No próximo mês de outubro, Papa Francisco e bispos de vários países americanos discutirão, em Roma, os problemas por que passam os povos amazônicos, além de questões ambientais outras, no chamado Sínodo sobre a Amazônia. O governo não gostou de saber do encontro, teme declarações desfavoráveis e achou por bem monitorar essas perigosíssimas movimentações. Em miúdos: a Igreja está sendo discretamente vigiada porque esse evento pode atentar contra a “soberania nacional”.

Pelo jeito, tudo atenta contra a soberania nacional: a oposição, a velha política, a China, a imprensa, os gays, a esquerda, a falsa direita, os índios, os professores, a Igreja. Até eu. Assusta, nesse fenômeno político-eleitoral que ainda tentamos compreender, a incapacidade de aceitar qualquer tipo de divergência. Concordo que muitas das promessas do presidente, durante as eleições, correspondem a problemas reais; quem votou nele, votou de boa-fé – acredito nisso. No entanto, tal voto de confiança não deveria impedir a discussão, ignorar as nuances, calar o contraditório, sufocar o ceticismo.

Que ideólogos, gurus e militantes mais radicais confundam Doutrina Social da Igreja com socialismo não é novidade. Ideólogos, gurus e militantes radicais confundem porque precisam mesmo confundir; é da confusão que tiram matéria-prima para mais confusão. O decepcionante é que tal veneno tenha contaminado os militares, que me parecem sensatos. Espero que essa sensatez não seja vã ilusão. Amém?

Surpreendente não é. A ascensão de Jair Bolsonaro representou, em regra, a vitória de uma cosmovisão improvisada, em que pedaços de preconceitos se confundem com princípios de conservadorismo, aspirações legítimas se misturam a soluções ilegítimas, tudo somado a retalhos de doutrinas liberais mal digeridas, num enredo feito para brasileiro ver. Bolsonaro é o católico que se faz batizar no rio Jordão por um pastor evangélico; é o corporativista que fala em livre mercado; é o funcionário público que se lembrou anteontem de defender a meritocracia; é o deputado que nunca foi protagonista e quis ser líder de toda uma nação.

A César o que é de César.

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