• Carregando...
O Supremo em crise de identidade
| Foto:

por Horácio Neiva, advogado e filósofo do direito

 

Com frequência aceitamos alguns desvios da legalidade constitucional porque não visualizamos, de imediato, suas consequências negativas.

No caso do inquérito aberto pelo presidente do STF, nem isso. As consequências eram claras e não tardaram a surgir.

A instauração de um inquérito de ofício, sem indicação precisa dos fatos que seriam investigados – para além da menção a genéricos “ataques ao STF” –, criou uma situação que desafia qualquer noção de Estado de Direito.

O STF parece ter, agora, prerrogativa universal de investigar qualquer ato que possa, ainda que remotamente, ser entendido como “ofensivo” à Corte – mesmo que nada tenha a ver com aquilo que justificou a instauração do inquérito.

Ainda pior: sob pretexto de “ataques ao Supremo”, tudo vai se tornando passível de ser incluído no vago inquérito – desde ataques e vazamentos coordenados, até atos de legítimo exercício da atividade jornalística.

O mais perigoso, contudo, é que o STF é, ao mesmo tempo, i) o autor da denúncia; ii) o responsável pela investigação; iii) quem decide os fatos relacionados à investigação; iv) quem determina atos judicias no curso da investigação; v) quem define o escopo da investigação.

Em resumo: ele diz o que pode e o que será investigado; como será investigado; o que será feito na investigação; quais as responsabilidades decorrentes; quem será punido e como será punido.

É um caso inequívoco de atuação de ofício do Tribunal, abarcando desde atos investigatórios até atos decisórios, sem qualquer mediação e – ainda mais grave – sem nenhum controle externo ou superior.

Se ainda resta alguma dúvida do absurdo em que consiste a decisão contra a revista eletrônica Crusoé e o site O Antagonista, pergunte-se: a quem eles poderão recorrer contra a decisão do Ministro Alexandre de Moraes? Aos demais Ministros do STF que, aparentemente, concordaram com a investigação?

Não há controle nem defesa em face de um tribunal que atua ao mesmo tempo como investigador, acusador e juiz. Com base num obscuro ponto regimental e de constitucionalidade duvidosa, o STF, de guardião das garantias individuais, tornou-se um violador impune dessas garantias.

No momento em que o Supremo poderia – e deveria – resgatar sua própria reputação, resguardando-se da crise política e atuando como freio aos demais poderes, ele próprio se adianta e se convida para a festa de violações a direitos individuais e garantias constitucionais.

Com uma pequena diferença: quem irá controlá-lo? A quem só detém a caneta, a única coisa que lhe resta, além de sua posição institucional, é a legitimidade derivada, em parte, de sua própria reputação e imagem.

Se perder isso, o que restará?

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]