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Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo
Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo| Foto:

A extravagante caravana de Lula – ex-presidente e atual condenado – foi alvejada por tiros no Paraná. Esse terá sido o ato mais violento entre uma série de outros atos inamistosos – ovos, pedradas, vaias – de que o líder petista e seu séquito foram vítimas. As investigações confirmarão a origem e os autores do ataque.

Dizer platitudes seria fácil: “violência não se justifica”; “agressões como essas só mostram as verdadeiras intenções dos agressores”; “fascistas!”; etc. Se o leitor quiser ler platitudes, aí estão. Leia-as, fique com elas, durma em paz.

No entanto, esse é um caso cheio de nuances. Poucas vezes me pareceu tão clara a intenção de um grupo político de provocar, quase desejar, as agressões que sofre – para que, ao sofrê-las, possa erguê-las como troféus, possa beijá-las como medalhas de honra ao mérito. Lula e o PT andam desesperados à procura de uma vítima, de um confronto, do acirramento máximo das tensões. É o que lhes parece ter sobrado dos escombros do carisma.

A agressividade dá o tom nas manifestações no Sul do país, e pode ser compreendida de mais de uma maneira.

Talvez como reação ao próprio instinto belicista de Lula e sua disposição viciosa ao confronto. Ele berra frases que nem de longe sugerem a “paz” e o “amor” doutros carnavais.

Por outro lado, a leitura pode ser a seguinte: mais ou menos desde que, bípedes e saídos das cavernas, assinamos o acordo tácito chamado “contrato social”, e concordamos em terceirizar nossa sede de vingança para convertê-la em administração de justiça, cabe ao Estado e a seus órgãos investigar, processar, julgar e eventualmente condenar ou absolver o réu.

Hoje é o Estado, ontem pode ter sido a religião, amanhã será uma agência privada de justiça. Pouco importa. O que importa – a essência do “devido processo legal, da presunção de inocência e da mais ampla defesa” – é que as sanções sejam aplicadas com parcimônia, imparcialidade e respeito à lei previamente elaborada e aceita.

Noutras e mais diretas palavras: o sistema judiciário é o meio (sempre imperfeito) pelo qual trocamos nossa vontade de vingança pela relativa pacificação social. Eu concedo ao Estado a prerrogativa de investigar, julgar e aplicar as penas, justamente para que eu mesmo não o faça de qualquer modo, a meu modo – e, muito provavelmente, erre mais do que acerte.

O que isso tudo tem a ver com Lula, sua excursão irresponsável e as violências de que têm sido vítima? Ora: Lula é um homem poderoso e é réu. Ele teve e continua a ter prerrogativas que milhares doutros presos não têm nem nunca terão. Houve investigação, julgamento e, por fim, condenação. Em primeira instância. Em segunda instância.

Mesmo assim, mesmo tendo o Estado investigado, julgado e condenado o ex-presidente pelos crimes que cometeu, na prática não parece lhe poder aplicar a sanção devida – esperada por todos os que submetem ao mesmo Estado, com muito menos recursos; tudo porque Lula tem mais poder do que nós outros. Ele pode mais e chora menos. O ladrão de galinha vai preso. O ladrão de erário pede votos.

O resultado? A sensação – muito justificada – de anomia. O “contrato social” vale para uns, não vale para outros; vale para mim, não vale para o Lula. Enquanto o brasileiro comum, mortal, anônimo teria sido preso já na primeira instância, Lula pode ser condenado uma vez, duas vezes e, ainda assim, ignorar qualquer sanção e prosseguir em campanha.

É compreensível que um condenado não condene a si mesmo. Não esperava dele, como não espero de nenhum réu, muita disposição para aceitar o que a sentença decreta. Entretanto, considerado o tamanho do personagem, talvez fosse o momento de Lula mostrar grandeza e cuidar de apenas se defender, com todo o inesgotável acervo recursal de que nosso sistema é pródigo. Que ele se defendesse com discrição e zelasse para que os ânimos – eleitorais e outros – estivessem menos exaltados. Mas não.

Lula pede votos sem saber se estará elegível, incita policiais e militantes, rasga constituições, códigos, processos, provas, contratos, pactos, bom senso. Comporta-se como marginal – como quem vive à margem do “contrato social” – e quer de nós toda a civilizada tolerância de cumpridores de contratos sociais. Ele é condenado e isso não lhe diz respeito.

De fato é reprovável que se taquem pedras e ovos, que se atire em Lula e em seus correligionários. Entretanto, essa é uma reação ao fato de que Lula e seus correligionários há muito tacam pedras e ovos, e atiram nas instituições, no sistema judiciário, na razoabilidade ética e na paciência dos joões-ninguém que somos.

 

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