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“Jesus expulsando os vendilhões” Por El Greco, atualmente na National Gallery of Art, em Washington D.C
“Jesus expulsando os vendilhões” Por El Greco, atualmente na National Gallery of Art, em Washington D.C| Foto:

O católico Jair Bolsonaro (que, por via das dúvidas, recebeu unção de Edir Macedo) há tempos prometeu um ministro “terrivelmente evangélico” para a vaga no Supremo Tribunal Federal. Eu sou cristão e nada tenho contra, em princípio, que ministros sejam terrivelmente evangélicos. Se existem os terrivelmente ateus, podem existir os terrivelmente crentes.

De um ministro de Estado, porém, a despeito de valores e crenças, exige-se perícia (quanto à matéria) e idoneidade (quanto ao julgamento). Um bem-preparado jurista ateu será um melhor ministro do STF que um mal preparado jurista cristão. Se um jurista cristão for pouco hábil no trato com o direito, será cristão, mas não será bom jurista.

A lei positiva tem de ser aplicada com técnica e sabedoria, mais próxima da Constituição que da íntima convicção do juiz. A batalha dos valores e das boas intenções têm no processo legislativo seu devido lugar.

Há mais. Circula nas mídias e redes trecho de vídeo em que um certo pastor presbiteriano prega o Evangelho segundo Jair – ou, para ser preciso, a serviço de Jair. Não é exagero meu. O exagero é dele. No templo em que acontecia o culto foram instaladas cabines, com pessoal de cartório a postos, para que os fiéis (fiéis não sei a quem...) contribuíssem com o registro do partido Aliança pelo Brasil.

Isso então é coisa da direita, da extrema-direita? Antes fosse.

Primeiro, basta recordar o quanto a Teologia da Libertação, braço religioso da esquerda continental, capitaneada por Leonardo Boff, instrumentalizou as verdades evangélicas a serviço das mentiras ideológicas. Aos poucos, o movimento perdeu força, os componentes (pseudo) teológicos foram desmontados e desacreditados pelo então teólogo Joseph Ratzinger, depois Papa Bento XVI.

Segundo, basta acompanhar a tentativa de aproximação de líderes do PSOL, e mesmo do líder de todos, Luiz Inácio, com o que chamam “ala” ou “militância” evangélica. Juliano Medeiros, presidente do partido que é um oximoro, garante que eles têm uma “crescente militância de evangélicos progressistas”. Lula, presidente de si mesmo, “quer o PT mais perto dos evangélicos”. Vade retro.

Não é difícil perceber o que todos esses personagens têm em comum: Jair Bolsonaro, Leonardo Boff, Juliano Medeiros, Lula, PT, PSOL, Aliança pelo Brasil pretendem cooptar os cristãos – católicos e evangélicos, a depender do recorte demográfico – para servir às respectivas causas. Fazer do cristianismo uma espécie de tacape moral, revestimento filosófico de suas ambições políticas. Em vez de elevar a política a Cristo, fazer de Cristo um reles cabo eleitoral.

O fato é que o cristianismo não é de direita ou de esquerda, nem se ocupa primordialmente de soluções de mercado ou de Estado. Cristo não é reformador, é Deus. Uma leitura atenta da Doutrina Social da Igreja Católica, por exemplo, ensina que as necessidades materiais têm de ser supridas conforme a razão e a caridade. Ora estimulando o empreendedorismo, ora promovendo o bem-estar social. O cristão pode defender o livre-mercado, não obstante também socorra os mais fracos que sobrevivem à margem de mercado e Estado.

Conta-se em João, 2, que estava próxima a Páscoa dos judeus, quando Jesus foi para Jerusalém. Encontrou no templo uns vendedores de bois, ovelhas e pombas, e os cambistas devidamente instalados. Não gostou nadinha. Fez de cordas, azorrague (também conhecido como chicote, mas azorrague é mais bíblico) e expulsou a todos que transformavam a casa do Pai em casa de câmbio e mercadinho. Foi aquela correria. Qualquer semelhança com certo país, muito longe dali, no ano da Graça de 2020, pode não ser apenas coincidência. Vade retro.

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