O católico Jair Bolsonaro (que, por via das dúvidas, recebeu unção de Edir Macedo) há tempos prometeu um ministro “terrivelmente evangélico” para a vaga no Supremo Tribunal Federal. Eu sou cristão e nada tenho contra, em princípio, que ministros sejam terrivelmente evangélicos. Se existem os terrivelmente ateus, podem existir os terrivelmente crentes.
De um ministro de Estado, porém, a despeito de valores e crenças, exige-se perícia (quanto à matéria) e idoneidade (quanto ao julgamento). Um bem-preparado jurista ateu será um melhor ministro do STF que um mal preparado jurista cristão. Se um jurista cristão for pouco hábil no trato com o direito, será cristão, mas não será bom jurista.
A lei positiva tem de ser aplicada com técnica e sabedoria, mais próxima da Constituição que da íntima convicção do juiz. A batalha dos valores e das boas intenções têm no processo legislativo seu devido lugar.
Há mais. Circula nas mídias e redes trecho de vídeo em que um certo pastor presbiteriano prega o Evangelho segundo Jair – ou, para ser preciso, a serviço de Jair. Não é exagero meu. O exagero é dele. No templo em que acontecia o culto foram instaladas cabines, com pessoal de cartório a postos, para que os fiéis (fiéis não sei a quem...) contribuíssem com o registro do partido Aliança pelo Brasil.
Isso então é coisa da direita, da extrema-direita? Antes fosse.
Primeiro, basta recordar o quanto a Teologia da Libertação, braço religioso da esquerda continental, capitaneada por Leonardo Boff, instrumentalizou as verdades evangélicas a serviço das mentiras ideológicas. Aos poucos, o movimento perdeu força, os componentes (pseudo) teológicos foram desmontados e desacreditados pelo então teólogo Joseph Ratzinger, depois Papa Bento XVI.
Segundo, basta acompanhar a tentativa de aproximação de líderes do PSOL, e mesmo do líder de todos, Luiz Inácio, com o que chamam “ala” ou “militância” evangélica. Juliano Medeiros, presidente do partido que é um oximoro, garante que eles têm uma “crescente militância de evangélicos progressistas”. Lula, presidente de si mesmo, “quer o PT mais perto dos evangélicos”. Vade retro.
Não é difícil perceber o que todos esses personagens têm em comum: Jair Bolsonaro, Leonardo Boff, Juliano Medeiros, Lula, PT, PSOL, Aliança pelo Brasil pretendem cooptar os cristãos – católicos e evangélicos, a depender do recorte demográfico – para servir às respectivas causas. Fazer do cristianismo uma espécie de tacape moral, revestimento filosófico de suas ambições políticas. Em vez de elevar a política a Cristo, fazer de Cristo um reles cabo eleitoral.
O fato é que o cristianismo não é de direita ou de esquerda, nem se ocupa primordialmente de soluções de mercado ou de Estado. Cristo não é reformador, é Deus. Uma leitura atenta da Doutrina Social da Igreja Católica, por exemplo, ensina que as necessidades materiais têm de ser supridas conforme a razão e a caridade. Ora estimulando o empreendedorismo, ora promovendo o bem-estar social. O cristão pode defender o livre-mercado, não obstante também socorra os mais fracos que sobrevivem à margem de mercado e Estado.
Conta-se em João, 2, que estava próxima a Páscoa dos judeus, quando Jesus foi para Jerusalém. Encontrou no templo uns vendedores de bois, ovelhas e pombas, e os cambistas devidamente instalados. Não gostou nadinha. Fez de cordas, azorrague (também conhecido como chicote, mas azorrague é mais bíblico) e expulsou a todos que transformavam a casa do Pai em casa de câmbio e mercadinho. Foi aquela correria. Qualquer semelhança com certo país, muito longe dali, no ano da Graça de 2020, pode não ser apenas coincidência. Vade retro.
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