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Pelé ou Messi?

Quem foi maior: Bach, Mozart ou Beethoven – ou ainda Wagner e sua ópera total? E se tivéssemos de escolher entre Homero e Shakespeare? O romancista do século XX terá sido James Joyce ou Marcel Proust? Quem é mais importante entre os gregos: Platão ou Aristóteles? Dos cineastas – Murnau, Hitchcock, Bergman ou Kubrick –, a quem caberá o trono? Por fim, pergunto: é mesmo preciso – e possível – escolher um deles em detrimento de outros?

Eu fico com todos, e mais alguns. Atingido certo nível intelectual ou artístico, lá nas altitudes da genialidade, nunca será possível apontar este ou aquele. Os critérios se dissolvem, os números confundem em vez de esclarecer, os feitos refletem uns sobre os outros e se amplificam mutuamente, como num jogo de espelhos

Essa questão me veio à cabeça depois de mais um recital do extraordinário Lionel Messi, na disputa da Champions League. O Barcelona jogou menos que o Liverpool. O time catalão, sem a dominância dos tempos de Guardiola, hoje pratica um futebol mais reativo. Não estoura a bola, é evidente, porque esse pecado eles não cometem, mas procura conduzir os movimentos ofensivos com verticalidade e precisão. Até certo ponto, trai suas características históricas (desde de, pelo menos, a chegada de Johan Cruijff ao Camp Nou) para continuar vencendo. Xavi e Iniesta fazem falta e não têm substitutos.

O Liverpool de Jürgen Klopp produziu mais. Ditou as ações, praticou marcação ostensiva, trocou passes, criou oportunidades de gol. Resultado: 3 a 0 para o Barcelona e vaga quase garantida. Tudo porque Messi existe.

Terminado o jogo, os vereditos e as profecias abundam: Messi será melhor que Pelé. Messi já é melhor que Pelé. Messi nunca será melhor que Pelé. Quem é Messi, mesmo?

Pois o fato é que o argentino dá, sim, argumentos para que a discussão se aprofunde. O alto nível de seu jogo dura mais de uma década. Ainda que o campeonato espanhol não tenha grandes times entre os rivais, além de Real e Atlético, Messi joga muito contra os campeões da Europa. Numa era em que o futebol se internacionalizou, e os gramados europeus são pisados pelos melhores jogadores do mundo três vezes por semana, Messi é o maior entre os maiores.

À parte, Cristiano Ronaldo. O português é um dos atacantes mais eficientes da história. Está entre os dez, talvez entre os cinco, mas não será, em termos absolutos, tão bom quanto Messi. Cristiano é a meritocracia em ação: o trabalho nobilíssimo de aprimorar fundamentos e levá-los à excelência; compete como poucos. Porém, enquanto Cristiano é uma indústria de gols, um fordista dos resultados e dos recordes, Messi tem futebol mais amplo e inventivo. Faz mais coisas. Vê coisas ainda não feitas em campo. Prevê o que outros veem.

Voltando à comparação entre Pelé e Messi, sei que os saudosos não admitirão nunca a usurpação do trono. Há um exército de súditos dispostos a matar e a morrer para proteger a Bastilha da bola. E por mim tudo bem. Pelé é mesmo a grande referência dum esporte que se tornou referência. Pelé se transformou em parâmetro, em patamar, em escala, em sinônimo de impossibilidade. Fez tudo muito bem: chutou, cabeceou, driblou, lançou, cobrou faltas à perfeição. Isso é ponto pacífico.

No entanto, rejeitar de imediato a comparação tampouco faz sentido. Não é pecado duvidar, e é preciso ter coragem para dizer: se não é ou será melhor que Pelé, Messi já pode ser considerado tão grande quanto. Tão importante para o futebol quanto, noutro século, foi o camisa 10 da seleção brasileira. Isso é bom. Isso mostra que o ludopédio, apesar de pesares bem pesarosos, continua vivo. Continua sendo capaz de proporcionar emoções e prazer estético.

Eu me recuso a escolher. Sobretudo: eu não preciso escolher. A mim me basta a alegria de acompanhar a trajetória dum gênio, dum personagem que é, mais que um jogador, um acontecimento.

Meu pai costuma dizer, com saudade nos olhos: “Vi Pelé jogar!”

Direi o mesmo, em breve, do meu Pelé.

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