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por Nicolau Olivieri
Vejam a ironia: os trabalhadores que hoje têm mais possibilidade de manutenção e crescimento de renda são justamente os entregadores autônomos de aplicativos.
Empregados tradicionais, com todos os benefícios previstos na CLT ou garantidos por acordos e convenções coletivas; empregados de todas as áreas da economia; empregados de todas as qualificações e faixas de renda – todos estão sob ameaça de redução de salário ou de ter seus contratos de trabalho suspensos. Ou, simplesmente, de serem demitidos e, com sorte, receberem a verba rescisória.
Mas não os entregadores cadastrados em aplicativos.
Antes vistos como o símbolo da perversa lógica do capitalismo, aliada às predatórias inovações tecnológicas, os entregadores autônomos têm sido, nesses dias de isolamento, os improváveis heróis da vida urbana: levando o bolo de aniversário, o jantar de comemoração, o almoço de domingo, o lanche, a pizza, a bebida, o pouco da alegria e do prazer possíveis num mundo confiado em quarentena.
Precário é o emprego e o salário dos empregados com carteira assinada; precária é a renda do autônomo bem qualificado: do arquiteto, do advogado, do engenheiro.
A vida em sociedade é imprevisível, muitas vezes. Quando se pretende amarrá-la aos melhores parâmetros de justiça, transformando autônomos em empregados, à força de decisões judiciais, eis que o arranjo supostamente contrário à justiça se revela bom para todos os envolvidos.
É claro que ninguém tinha como prever uma situação de confinamento global como a de hoje, nem que a “uberização do trabalho” seria parte do desafogo econômica para essa calamidade.
Mas que sirva de lição àqueles que pretendem tutelar a vida alheia, para que tenham (tenhamos todos) um pouco mais de humildade diante dos fatos e em relação às nossas próprias noções de como a sociedade "deve ser".
Porque ninguém sabe se não estará ali depois da curva a salvação inesperada de nossas certezas.
Nicolau Olivieri é sócio na Leal Cotrim Jansen Advogados. Membro do Instituto de Advogados Brasileiros.