Era uma vez um pastor de ovelhas que levava uma vida monótona. Os dias se passavam e nada de aventuras, mulheres, drogas, política, futebol. Para dissipar o tédio ele então resolve fingir perigos de toda sorte. “Socorro! Socorro! É o lobo!”, grita o fanfarrão.
Os vizinhos correm para ajuda-lo, mas descobrem que é mentira. Ele zomba da credulidade vizinhos, eles saem com aquela cara de quem votou no Aécio em 2014. O pastor repete a brincadeira uma, duas, três vezes, até que os vizinhos, que votaram no Aécio em 2014 mas são um pouco menos crédulos que os petistas, deixam de se importar.
Um dia o lobo aparece de verdade, o pastorzinho idiota grita, todos dão de ombros e a Dilma é eleita.
Minto: o lobo come o pastor.
Moral da história: abusar da credulidade alheia tende a produzir o ceticismo e a indiferença.
A conhecida fábula de Esopo, discretamente adaptada, serve bem para ilustrar não somente as nossas eleições presidenciais, mas os efeitos colaterais do movimento #MeToo.
No princípio era Harvey Weinstein.
O tarado assediou ou tentou estuprar dezenas de atrizes em Hollywood, durante não se sabe ao certo quantos anos. Quando profissionalmente não interessavam essas indiscrições, ninguém deu com a língua nos dentes. Nem mesmo figuras poderosas como Angelina Jolie e Gwyneth Paltrow, entre outras tantas.
O assédio continuou, as atrizes conseguiram os papéis, até que uma determinada atriz resolveu acusar o exponencial Jece Valadão. Da noite para o dia, todas aquelas poderosas atrizes que não tinham coragem passaram a ter. Até as mais poderosas acabaram se lembrando do quanto eram poderosas.
E daí em diante, Hollywood revive seus dias de macarthismo. Na meca do hedonismo, da liberdade sexual, do progressismo artístico e dos costumes nada costumeiros, tudo virou assédio e estupro. Os relatos se multiplicam e, aos poucos, vão tomando as formas mais esquisitas. Explico.
Depois das denúncias realmente graves, foram surgindo acusações difusas, e tudo se transformou em assédio e estupro. Qualquer paquera mais insistente de dez ou vinte anos atrás ganhou releitura e virou assédio violento. Todo avanço sexual mais inconveniente se converteu em estupro.
Não quero entrar no mérito de cada uma das acusações, nem mesmo avançar em reflexões sobre a natureza do desejo sexual e os direitos da mulher. Tenho uma falta de reputação a zelar. Meu propósito é apenas comentar, de passagem, as acusações que agora estouram em cima da credibilidade de uma das mais entusiasmadas militantes do #MeToo: Asia Argento.
Certo ator e músico que atende pelo nome de Jimmy Bennett acusa a atriz de lhe ter abusado sexualmente. Ele tinha 17 anos. Ela, 37. A atriz chegou a pagar quantia generosa pelo silêncio do rapaz, mas o affair, muito naturalmente, não acabaria aí. Asia é acusada de ter feito exatamente aquilo que tanto denuncia.
Se querem saber minha opinião, estou com Asia e não abro. É evidente que um rapaz de 17 anos não foi abusado sexualmente por uma atraente mulher de 37. Que me perdoem os assinantes porventura mais conservadores desta Gazeta, jornal de família que é, mas eu, se fosse ele, comemoraria e pediria bis. Aliás, aposto que ele comemorou e pediu bis.
O problema é que, tempos depois do alegado abuso, ser assediado passou a contar pontos na casta província de Hollywood. Se antes conseguiam trabalho ao esconder abusos mesmo quando verdadeiros, agora conseguem trabalho ao revelar abusos mesmo quando duvidosos.
Assim voltamos à moral da historinha de Esopo. A indiscriminada caça aos predadores corre o risco de borrar a maquiagem ética de quem grita “Lobo! Lobo!” sem muito cuidado. O feitiço se volta contra o feiticeiro, a bruxaria contra as bruxas, a moral contra o moralismo e, por fim, as ovelhas terminam por se confundir com os lobos.
Como Asia Argento e Harvey Weinstein.