Um seleto e politizado grupo de artistas, versão brejeira de um Baader-Meinhof que estudou educação moral e cívica, capitaneado por Chitãozinho e Xororó e contando em suas barricadas com Luan Santana, Família Lima, Tonny & Kleber, Projota, Michel Teló, entre outros, acaba de lançar a nonagésima terceira canção de, aspas, protesto, desde a redemocratização do país.
Versos apartidários como “Tudo o que eu quero é um país sem medo/ De corrigir seus erros, de crescer e de sonhar”, cantados entre sorrisos de clareamento dental e orquestração de baile de casamento, dão o tom da indignação barata como voto de petista. Desde que Paolla Oliveira (desculpa, Paolla) pintou uma das unhas de branco, em nome da paz, não temos um ato assim tão convincente para o país voltar aos eixos.
Não posso deixar de notar o caráter também humanitário e inclusivo do número, que traz novamente Toni Garrido como o cantor-convidado de eventos coletivos:
“ – Gente, tá faltando uma vozinha aqui pra fazer falsete… Nem precisa aparecer direito, só pra fechar essa linha…”
“ – Opa, chama o Toni Garrido, ele sempre faz uns corres pra nós!”
Em tempo: “A Nossa Voz” é o título do clássico instantâneo.
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Falando em protestos genuínos, a cantora Ana Cañas publicou em sua conta no Instagram uma foto em que aparece nua, com os seguintes dizeres:
“Foda-se (sic, viu, Gazeta? Foi ela, não eu.) o patriarcado e o controle dos corpos. Nudez, aborto, roupas, tamanhos, padrões. A gente é quem decide. A gente é. Patriarcado, caia e morra. Bem agora. Beijo”.
E segue uma arenga sobre ter celulites, estrias, gordurinhas e diferença no tamanho dos seios (essa é nova).
Pedi permissão à minha mulher, patriarca que sou, e fui, com ares de entomologista, fazer trabalho de campo. Fiz o trabalho de campo. Prestei bastante atenção à nud… às imperfeições da moça. Não contente com resultado das pesquisas, procurei noutras fotografias os sinais que o patriarcado imprimiu no corp… na alma de Ana Cañas. Nada, nadinha.
E não encontrei grandes ou notáveis defeitos porque, me desculpem, trago verdades inconvenientes: os tais padrões estéticos que a sociedade patriarcal impõe às mulheres não são exatamente os valores estéticos que interessam aos mais imaginados que reais patriarcas.
Já disse algures e repito aqui: os padrões estéticos, se são mesmo impostos, o são por outras mulheres e por gays. Que ninguém se ofenda, não faço juízo de valor. Mas homens – preciso esclarecer: homens cis, heterossexuais, aqueles de antigamente – costumam admitir um leque bem variado de perfeições e imperfeições.
Não pretendo me alongar nas descrições, nem sugerir preferências demasiado sórdidas, mas as mulheres fiquem descansadas: nosso desejo sexual e nossa apreciação estética são muito, muito mais abertos à variação do que vocês imaginam.
Revistas que trazem esqualidez, esqueletos, pele transparente e cabelos industrialmente lisos não constam em nossas eruditas listas de leituras. Preocupem-se menos com a modelo da revista de moda e mais com a girl next door só um pouquinho atraente que anda por aí.
Palavra de patriarca.
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No primeiro debate entre os inacreditáveis candidatos ao posto de governador do Rio de Janeiro, lá pelas tantas a ativista e dublê de filósofa Márcia Tiburi ponderou que não havia “negros na disputa” pelo Palácio da Guanabara. Romário sentenciou: “Eu sou o negro aqui.”
Como não poderia deixar de ser, quem não gosta do resultado das sinapses neuronais de Márcia Tiburi (presente!) vibrou com a gafe. Porém, meus amigos, minhas amigas, tenho de concordar com ela, e não com ele, desta vez.
Romário só é negro, de fato, para os padrões americanos de negritude. Nos EUA, país de tensões muito mais vincadas que as nossas, uma gota de sangue negro basta para comprovar negritude. Não há, como aqui, as tantas variações e matizes de cor. Romário declarou-se negro, na minha imodesta opinião, porque vivemos tempos em que isso gera capital político mais do que qualquer outra coisa.
Um outro brasileiro com o mesmo tom de pele de Romário poderia perfeitamente declarar-se “moreno”, “mulato” e, sem muito espanto, branco. Isso é o que faz dos nossos problemas raciais e de assimilação identitária e cultural algo muito mais complexo e rico do que a versão americana da quizumba.
O que não significa, entretanto, que o discurso pobre e apelativo de Márcia Tiburi esteja certo ou tenha valor. Ela está errada até quando está certa. Num momento em que tantas urgências berram, sussurrar radicalismos nos ouvidos do eleitor só serve para demonstrar que Tiburi não é candidata apenas ao governo do Rio de Janeiro, mas também ao papel de filósofa de verdade.
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