Morreu Abu Bakr al-Baghdadi, líder do ISIS, autoproclamado califa, em operação militar a noroeste da Síria. Donald Trump anunciou a morte do terrorista com os modos infantis de costume. Encurralado, al-Baghdadi matou-se e matou seus próprios filhos. Morreu como o covarde que sempre foi, enquanto viveu.
Antes de mais, importa dizer que a ascensão do Estado Islâmico é uma espécie de efeito colateral da morte do ditador Saddam Hussein, que a seu modo preservava alguma ordem na desordenada região. Morto Hussein, desidratada a Al-Qaeda, a nova organização levou a patamares inacreditáveis as táticas e estratégias do terror. Fica a lição geopolítica: nem sempre é bom mexer em vespeiro de casa alheia.
Seja como for, ao ler a notícia fiz o que fiz: comemorei um pouquinho. Minto: comemorei muito. E me peguei a pensar: será cristão alegrar-se, apenas alegrar-se, sem mérito ou responsabilidade: apenas alegrar-se, com a morte alheia? Sou cristão, sou péssimo cristão, mas tenho meus momentos de agonias e de Agostinho. O leitor veja, a propósito, em que complicação o cristianismo nos mete. Ateus não perdem dois segundos com esse tipo de dilema. Cristãos perdem a vida toda a pensar nisso.
Lembrei-me da fracassada tentativa do teólogo Dietrich Bonhoeffer. Quando, em 1939, Hitler anunciou seu projeto de domínio territorial e deu mostras, mais do que mostras, de que submeteria povos e etnias ao seu jugo e massacraria milhões, Bonhoeffer entrou para a resistência e tomou a decisão (que infelizmente sabemos frustrada) de matar o tirano. Teve a coragem que poucos tiveram; não teve a sorte que todos precisariam. Aos 39 anos, foi julgado e executado pelas forças alemãs. Morreu rezando.
O curioso é que se a alegria gratuita (de certa maneira, covarde) com a morte de um terrorista ou ditador me parece ilegítima e questionável, por outro lado planejar e executar o terrorista ou ditador, não. A nobreza moral de matar um genocida como Hitler, ou ainda um terrorista como al-Baghdadi: essa atitude, essa nobreza me parece mais justa e mais justificável diante de Deus do que a pura e simples comemoração do ocorrido.
Sinto-me mais culpado (culpa tímida diante da alegria mais desabusada) por rir da morte deles, do que teria sentido se os pudesse matar com minhas próprias mãos. Quisera minha vida tivesse sido outra, quisera tivesse sido eu a planejar a morte de Hitler, a provocar a morte de al-Baghdadi. Ou que Deus me perdoe se eu estiver enganado, seja lá qual for o meu engano. Fácil é ser ateu. O cristianismo nos mete em cada uma.