Não é exagero dizer que a Operação Lava Jato foi determinante para a reconfiguração político-eleitoral brasileira. Alguns gostaram disso, outros nem tanto. Para além da prisão de Lula e dezenas de personagens importantes, os efeitos da força-tarefa foram sentidos por quase todos os candidatos e respectivas legendas, acusados de crimes ou não. Como um cataclismo que tivesse redesenhado continentes inteiros de arranjos partidários, nada mais seria como antes. E não foi.
Quem surfou o tsunami cresceu nas pesquisas e venceu nas urnas. O improvável deputado que, depois de quase três décadas de inexpressiva atuação parlamentar, nem partido tinha às vésperas da corrida, surgiu dos escombros da corrupção como o paladino da moral e dos bons costumes. Arrependido daqueles muitos anos de pecado, Bolsonaro encontrou em Paulo Guedes o impulso que faltava à súbita conversão liberal, na estrada de Damasco da pré-candidatura.
Vencidas as eleições, cercou-se de militares (alguns dos quais jogou ao mar) e imantou-se da credibilidade intelectual do economista sem vida pública notável, mas cheio de boas (não se sabe se realizáveis) ideias na cabeça. Para completar a confraria, Sérgio Moro aposentou a toga e vestiu o terno. De um lado, tínhamos a técnica econômica; de outro, a retaguarda moral.
Quando Moro foi convidado e aceitou o convite, fiz minhas ressalvas. Duas ressalvas, para ser preciso. A primeira: sua aceitação serviria de argumento àqueles que consideravam a Lava Jato uma grande conspiração política. A segunda: protagonista com luz própria e imagem inatacável, ele arriscaria se transformar num coadjuvante ancorado às imprevisíveis circunstâncias.
O processo de fritura (ou de neutralização) do ex-juiz, pelo que se vê, já está avançado. Eu não duvido. O presidente desautorizou o ministro mais de uma vez, e tem interferido nos inúmeros órgãos e cargos técnicos que, em tese, precisariam estar a salvo das maquinações políticas (e familiares). Da noite para o dia, fez de Dias Toffoli, outrora “advogado do PT”, um de seus mais frequentes interlocutores. Ainda que revirem os olhos, os militantes já não podem negar que a Lava Jato vive em crise de identidade.
Entrevistado por esta Gazeta, Deltan Dallagnol, o mais novo comunista da praça, foi direto: “O presidente Jair Bolsonaro, ao longo da campanha eleitoral, se apropriou de uma pauta anticorrupção. (...) Agora, o que nós vemos é que ele vem se distanciando desta pauta de corrupção quando coloca em segundo plano o projeto anticrime do juiz federal Sergio Moro. Ele coloca em segundo plano essa pauta quando ele faz mudanças no Coaf e desprestigia o auditor da Receita Federal Roberto Leonel [indicado por Moro para o Coaf], que trabalhou na Lava Jato”.
Assistiremos a episódios empolgantes nos próximos dias, mas uma coisa é cada vez mais certa: o casamento entre o governo Bolsonaro e a Operação Lava Jato perdeu muito de seu entusiasmo, e talvez não passasse mesmo de amor de verão. Intenso, mas fátuo. Quando os boletos da realpolitik começam a vencer e as diferenças de temperamento e objetivos se acentuam, a convivência fica difícil, e o divórcio entre a convicção moral e a vontade de punir acaba se tornando a inevitável solução. Afinal de contas, os filhos não podem sofrer por causa das brigas dos pais.
Eleição sem Lula ou Bolsonaro deve fortalecer partidos do Centrão em 2026
Saiba quais são as cinco crises internacionais que Lula pode causar na presidência do Brics
Elon Musk está criando uma cidade própria para abrigar seus funcionários no Texas
CEO da moda acusado de tráfico sexual expõe a decadência da elite americana