O Grêmio foi campeão da Libertadores da América, numa campanha impecável. É o melhor time do país. Eu, que não sou gremista, amanheci com inveja dos gremistas. O escrete gaúcho jogou um futebol bastante fluido, de posse de bola criativa e de movimentações, sem a previsibilidade estéril de quem retém a bola e não sabe o que fazer com ela, como homem virgem no puteiro. Muito do jogo de futebol, como se sabe, acontece sem a bola. No espaço. Na inteligência de se ocupar o espaço antes mesmo de haver bola por lá.
Quem dá o tom não é Marcelo Grohe, com suas defesas impossíveis, nem Luan, grandíssimo jogador; quem segura a batuta do jogo tricolor é Arthur, meio-campista de fazer encher olhos e cair queixos: inteligente, técnico, conciso. Ele, mais do que qualquer outro, fez do tradicionalmente aguerrido Grêmio um time sem pressa, sem fúria incontida, quase delicado: o Grêmio virou um animal bem treinado para dar a resposta certa no momento certo: nem mais nem menos.
Há senões. Que o torcedor gremista não me odeie; que o entusiasta do bom futebol não me despreze, mas nessa conquista há alguns senões. Apontar senões não significa desmerecer conquistas. Talvez contextualizá-las – para que aconteçam com mais frequência. E, para além delas, notar certos vícios muito brasileiros. Gaúchos, ainda que não acreditem, são brasileiros.
Uma das coisas mais fáceis de se ler após o derradeiro apito consiste no seguinte: Renato Portaluppi há não muito tempo fez pouco caso de treinadores que “estudam” futebol, que vão à Europa fazer cursos avançados em tática e em análise de desempenho. Ele andou dizendo a quem quisesse ouvir que estava há dois anos na praia. Futebol é só futebol, todo mundo sabe como se faz, quem jogou entende e sempre entenderá.
O resultado está aí, e se a prova do pudim é comê-lo, Renato se lambuzou de pudim. Comeu-o com gosto e provou seu ponto. Deu férias às férias, voltou a treinar o clube que o projetou, foi campeão da Copa do Brasil no ano passado e terminou campeão da Libertadores deste ano. Tudo como se fosse fácil demais. Só que nem tudo são resultados, para o bem e para o mal; nem tudo são improvisos, mesmo quando os improvisos dão certo.
Esse discurso tem algo de verdadeiro e até razoável: não precisamos imitar europeus; não há somente uma maneira de se jogar futebol; não se pode fazer do jogo a ciência em sentido estrito que nunca será. Estamos de acordo: precisamos de mais Renatos Portaluppis. Entretanto, essa pressa em desprezar o estudo, a ciência esportiva, o aprendizado, a preocupação com as mudanças e possibilidades táticas denuncia uma superstição que, embora tenha nos proporcionado vitórias gloriosas, também nos fez passar vergonhas clamorosas; a destreza no espontâneo; o elogio do inato: precisamos de menos Renatos Portaluppis.
Tudo no país – e o futebol representa muito no e para o país – quer se resolver em milagres. O Grêmio foi campeão porque jogou um futebol organizado e criativo, estruturado pelo inteligente Roger Machado, aprimorado por um Renato que se reinventou, que mostrou mais do que mostrara, mas há quem prefira ridicularizar o estudo do jogo como se fosse bobagem. Se o irreverente treinador, personagem à parte, pode ir da praia ao campo e ser campeão, todo mundo pode. Basta ter talento e ginga. Europeu sucks!
Que o futebol jogado no Brasil e na América Latina não seja dos melhores – e portanto não seja dos melhores indicadores de qualidade – não importa: o que importa é vencer depois de ter ido à praia. O que importa é aproveitar o momento: e se o momento aconteceu, se o time encaixou, se os planetas se alinharam, se Luan combinou com os russos, se a linha de defesa do adversário estava alta e deixava latifúndios facilmente ocupáveis, se Grohe fez defesas impossíveis, quem repara? Ganhamos, calamos a boca, rasgamos os livros, assoviamos e chupamos cana: nós gostamos de rima, não gostamos de solução. Até o próximo 7 a 1.