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Réquiem tropical
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Há esperança, mas não para nós.

– Franz Kafka

 

O Brasil não conhece cinco minutos de normalidade e tédio, e isso é péssimo sinal. Há muitos critérios e indicadores para medir a felicidade ou o nível de satisfação dos habitantes de um país: economia, educação, segurança, lazer, longevidade. Um dos mais importantes – e o mais ignorado – é o coeficiente de normalidade. Tédio. Rotina. Dias e mais dias enfadonhos em que nada acontece: nenhum ministro declara absurdos, nenhum presidente é esfaqueado, nenhum parlamentar é ameaçado, nenhuma vereadora é executada.

Países em que nada acontece são bons de se viver; países em que tudo acontece o tempo todo são ruins. Cansam, enervam, desesperam, deprimem, matam. O Brasil não passa nesse critério: é uma sucessão de reviravoltas de enredo, arcos dramáticos inverossímeis, soluções mirabolantes, finais inacreditáveis. Cem, duzentos, quinhentos anos de episódios sem nenhum sentido.

Em qualquer lugar, ser feliz é ver a chuva chover e reclamar, no máximo, da queda de energia – mas não aqui: alguns minutos a mais de chuva bastam para matar gente, destruir patrimônio, soterrar ônibus. Represas não represam nada, e periodicamente estouram e matam mais gente, destroem mais coisas, envenenam mais rios. Museus com orçamento menor do que o de meia dúzia de vereadores pegam fogo e perdem patrimônio histórico e cultural irrecuperável. Meninos alojados num dos clubes mais ricos do país morrem queimados no improviso.

Tudo vira fatalidade. O previsível é imprevisível. O evitável é inevitável. O contingente é necessário. O acidente é substância. A rotina brasileira é não conhecer rotina, só desdobramentos trágicos, horríveis, memoráveis, inesquecíveis, anedóticos como acidentes de avião. Um bom lugar para se viver é aquele em que não nos damos conta de que é bom, justamente porque não acontece nada de surpreendentemente ruim para servir de contraste.

O Brasil é ruim como um filme nacional.

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