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Gustavo Nogy

Gustavo Nogy

Retrospectiva 2020

Feliz 2021! (Pixabay) (Foto: )

Se é mesmo verdade que um homem prevenido vale por dois eu não sei, mas confesso que sou um tantinho ansioso. Por que deixar para o final do ano que vem o que eu posso fazer no final deste ano?

Ficarei quieto em casa e não comemorarei passagem nenhuma. Nada de três, dois, um, feliz ano novo etc. Que o planeta dê as aborrecidas voltas que tiver de dar e o ano chegue de mansinho, sem muito alarde, porque já não sou garoto e acho má ideia ficar chamando atenção.

Portanto, para ficar bem com a minha consciência e dar alguma satisfação ao leitor, resolvi escrever a retrospectiva de 2020. Sim, leitor atento, você leu certo: de 2020, esse ano que começa daqui a quatro dias. Gosto de antecipar as coisas e, convenhamos, que trazem os anos de diferente, uns dos outros?

Nada.

Nadinha.

Coélet que o diga.

Escândalos, assassinatos, protestos, acidentes, declaração de imposto de renda. Alguém muito famoso, célebre, reconhecido, importante, relevante, imortal – ou o exato contrário disso tudo – morrerá. Mais de um morrerá, garanto, dou palavra. Não me pergunte quem, porque tenho medo de impressionar e não quero fila de crente aqui na porta de casa.

Os anônimos também morrerão, aos montes, mas desses ninguém se lembra mesmo.

Um prêmio Nobel será mal escolhido, um Oscar será entregue a filme imerecido, um ditador dará lugar a outro ditador, uma revolução se converterá em reação, o ex-presidente contará mentiras velhas enquanto o atual presidente inventará mentiras novas.

Consideradas todas as coisas, é isso o que acontece.

Vou já me despedir de quem admiro para o caso de, você sabe, nunca se sabe: tem gente bem velhinha aí dando sopa. George Steiner, humanista na acepção do termo, de erudição caudalosa e amiga, deveria ser proibido de morrer; lamento desde já caso venha a. Eu devia fazer uma listinha de admirações, mas é possível que me tomem por agourento. Sintam-se admirados desde já, futuros cadáveres que desconheço.

Os mais jovens tomem cuidados e canjas, e evitem o chão frio. Toda hora é hora. Aproveitem.

E o Brasil, que será do Brasil? Prosseguirá em sua jornada inexorável rumo a lugar nenhum (ou, mais precisamente, ao lugar nenhum conhecido como nossos bolsos). Temos aí a novidade do integralismo, que saudade, e também as especulações sobre a esfericidade da nossa burrice e as muitas ressalvas quanto à eficácia da vacina para curar a insanidade.

Chegaremos entre os 198 melhores nos rankings de educação, mas teremos combatido o Paulo Freire, amém, o que será comemorado efusivamente, porque poderia ser bem pior. Nosso governo dialogará com governos que não costumam dialogar com ninguém.

Políticos falarão bobagens para que outros políticos retruquem falando bobagens, e uns defenderão estes, outros defenderão aqueles, como de costume. Os eleitores de uns e de outros confirmarão tudo e negarão tudo, conforme convier.

Quedas na bolsa, altas na bolsa, o mercado dirá isso, o STF dirá aquilo, epidemias (reais ou hipotéticas), alguma pesquisa qualquer sobre, contra ou a favor do café, do ovo, da carne vermelha, do palito de dente, do canudo de plástico, dos desenhos animados, dos pronomes definidos e dos banheiros unissex.

Carnaval, futebol, eleições municipais, filme do Woody Allen, Natal, fogos de artifício e feliz 2021, porque o ano de 2020 nem começou e já está quase acabando. Ufa.

A vida é um sopro, ô se é.

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