Christian (Claes Bang) está às voltas com a estratégia de marketing da nova instalação no museu onde é curador, em Estocolmo. O público não se interessa tanto assim por arte, nem mesmo na Suécia, e uma empresa de publicidade propõe campanhas em redes sociais e no YouTube. O objetivo é viralizar e, como tudo o que viraliza, as consequências no organismo não são as previstas.
Certo acontecimento fortuito (Christian cai numa espécie de “conto do vigário”) e um jeito não muito razoável de lidar com isso (elaborado com meticulosa burrice por um dos seus funcionários) desencadeia uma série de eventos cada vez menos compreensíveis e, sobretudo, comunicáveis.
The Square – A Arte da Discórdia é uma avalanche irônica não apenas sobre as boas intenções sociais mais faladas que sentidas, mas também sobre o mundo artístico contemporâneo, autorreferente e vagamente ridículo. A fronteira entre arte e impostura, e entre intenções artísticas e práticas sociais, é sempre tênue.
Entre uma cena e outra, o caos vai lentamente se instalando na vida do desnorteado curador, enquanto tergiversa sobre o significado de obras e performances que beiram a impostura. Num determinado momento, explica à entrevistadora (Elisabeth Moss) que sua bolsa, se colocada num museu – recontextualizada, portanto – pode se tornar arte. Ela finge que acredita, ele finge que acredita, fim da entrevista.
A tese é relevante: o problema da arte contemporânea, a rigor, não é um problema moral, como se determinadas manifestações artísticas fossem em si mesmas escandalosas (e recentemente, em SP, certo incidente serve de exemplo). A arte contemporânea é um “problema” estético, mas também de relações de poder simbólico e, no limite, cognitivo.
Se a linguagem artística se abriu, se expandiu e se estilhaçou a um ponto em que não há mais técnicas ou saberes que devam ser aprendidos – e tenham alguma conexão com o que se entendeu como arte até algumas décadas atrás –, então tudo é arte, a depender da atribuição que se lhe dá, ou talvez nada seja arte, pelo mesmo motivo.
Entretanto, o que não me convence é a sinceridade dessa crítica. Há ironia demais, cinismo demais – e não muito mais do que isso. O único momento em que o filme arrisca entregar um pouco do que promete acontece na já antológica sequência do ator Terry Notary como Oleg, artista performático que, num jantar cheio de gente “fina, elegante e sincera”, acaba passando um pouquinho dos limites e borrando a distinção entre arte e vida. A graça é afastada pela brutalidade do artista e pela impassibilidade da audiência, numa cena que de fato incomoda.
Aí está: The Square, embora seja uma tentativa de mapear e expor determinado estado de coisas, acaba por se tornar mais uma de suas peças, como um urinol de Duchamp; não tem nada de muito relevante a opor ao que denuncia. Falta a ele ingenuidade; uma visão mais limpa e direta, que não seja apenas discurso social arrumadinho e demasiado didático para ser levado a sério.