Quem gosta de futebol e acompanhou o Campeonato Carioca entre os anos 90 e 2000 sente muita saudade de Januário de Oliveira. Reitero: tem obrigação moral de sentir saudade. Hoje infelizmente cego e debilitado, o octogenário narrador foi personagem do Globo Esporte RJ no sábado último. Homenagem mais do que merecida e, sobretudo, importante.
Importante porque faz lembrar aos aficionados do ludopédio que já houve tempos menos cínicos e muito mais românticos. Tempos em que ouvir e assistir aos jogos era ser transportado para dentro do estádio, para o fundo da inexplicável insanidade que é amar estas cores e não aquelas, jurar por este hino e não aquele.
Como patriotas em permanente guerra contra pátrias alheias, os torcedores querem do seu time não menos do que tudo. Dedicam tempo, dinheiro, afeto. Alguns deles, ai de mim!, organizam o calendário de acordo com a tabela dos campeonatos. São cartesianos quando preciso, nietzschianos se conveniente.
Essa inocência febril tem sido machucada a golpes de ceticismo e deboche. Ouvir novamente a voz de Januário, recordar suas frases e bordões – sobretudo: a paixão com quem disparava frases e bordões – só aumenta o desânimo que é tolerar o mal disfarçado desinteresse dos profissionais de hoje. Sei que choro o Leite derramado.
A propósito, Januário de Oliveira foi grande, mas não esteve sozinho. Há os remanescentes que aos poucos vão perdendo espaço e relevância, como Silvio Luiz, Oscar Ulisses e José Silvério. Osmar Santos teve de se aposentar cedo. Luciano do Vale morreu antes do que devia. Galvão Bueno dá sinais de cansaço.
Todos esses, e alguns outros, compreendiam o que tinha para ser compreendido num jogo de futebol: o narrador é o João Batista de glórias e desgraças, o Anjo Anunciador de vitórias e derrotas, o patriota e o apátrida – tudo a um só tempo, tudo no idêntico intervalo de 90 minutos, tudo naquele único e disputado território.
A fúria com que anunciava mais um gol do “Super Ézio”, pelo Fluminense, também rebentava ao gritar um gol do “Sávio, o Anjo Loiro da Gávea”. Ele sabia o quão doído é ao torcedor ver seu time tomar o gol, e o alcance da plenitude ao ver seu time fazer o gol. Ele é fiel e infiel sem vergonha nenhuma.
Para narradores como ele, narradores da vida de tantos garotos, cujas vozes eram tão conhecidas quanto a dos próprios pais, o futebol é nossa versão da tragédia, é nosso quinhão de heroísmo. Eles respeitavam isso.
Tudo tão diferente de hoje, quando profissionais de comunicação narram e comentam com ar blasé, fazem gracinhas, passam boa parte do jogo a ler o que se passa nas mídias, sempre com jeito de enfado, com sotaque quase intelectual, como que enojados daqueles 22 desgraçados a correr atrás de uma estúpida bola, vaiados e aplaudidos por outros milhares de desgraçados que só fazem mesmo torcer e rezar.
Cruel, muito cruel.
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