Fui entrevistado pelo jornalista Álvaro Costa e Silva, o Marechal, para o jornal Cândido, da Biblioteca Pública do Paraná. O assunto? Nelson Rodrigues.
Nelson continua sendo o maior dramaturgo brasileiro?
Nelson Rodrigues ainda é o maior dramaturgo brasileiro não apenas por ter sido um gênio, mas porque não me parece haver, na dramaturgia brasileira, ninguém que se aproxime dele. Temos grandes diretores e atores, e a produção do teatro brasileiro melhorou muito; tivemos grandes críticos. Mas dramaturgos que mereçam lugar na história, poucos. Nelson deu a sorte e o azar de ser único: por ser grande e por estar quase sozinho na história.
Depois dele, surgiu algum cronista ou ensaísta tão contundente quanto ele? (Aliás, as crônicas dele tinha dimensão de ensaios?)
A crônica do Nelson Rodrigues é, de fato, mais ensaio do que crônica; crônica e ensaio são gêneros aparentados, semelhantes, mas há distinções. Dos cronistas brasileiros, certamente Nelson é o mais ensaísta. Quem levanta a tese com rigor é o professor Luís Augusto Fischer, no livro Inteligência com dor: Nelson Rodrigues ensaísta. Para Fischer, Nelson Rodrigues explodiu a crônica, os limites da crônica, e navegou no mar aberto, revolto, do ensaio. Porque ensaio é isso: uma crônica que excede seus limites, seu provincianismo criativo, e se abre universalmente. A crônica parte do anedótico e fica no anedótico; ela se contenta em dar um passeio no bairro. Já o ensaio, muito embora parta também do pessoal, do anedótico, do cotidiano, não se contenta com isso: ousa, instiga, questiona, ironiza. Nelson Rodrigues é um dos maiores ensaístas brasileiros, se entendermos “ensaio” no sentido que lhe deu Michel de Montaigne, e não essa versão – traição – do ensaio como tratado erudito, quase sempre aborrecido, que lhe deu a academia.
Quando tomou contato com ele pela primeira vez? Que impressão lhe deixou?
Na adolescência; li antes as crônicas – os ensaios – que o teatro. Teatro li mais tarde. Fiquei fascinado. Nelson era um talento genuíno, natural; não era um erudito, mas foi, mais do que qualquer outro, responsável por escrever um texto de altíssimo calibre literário com linguagem coloquial; a fala urbana não só do carioca, mas do brasileiro. De resto, é um escritor engraçadíssimo. Sem querer ser engraçado, porque Nelson parecia escrever tudo como se fosse mortalmente sério, no entanto era engraçado. De gargalhar. Quanto ao teatro, concordo com o Sérgio Rodrigues, escritor carioca, autor de O drible (entre outros): não há melhor escola de diálogos – de escrita de diálogos – que Nelson Rodrigues. Talvez só Luiz Vilela se lhe compare, e ainda assim Nelson tem mais carisma.
O Nelson foi entendido em seu tempo? Seria entendido hoje?
Não foi bem compreendido então, e seria ainda menos compreendido hoje. Na época ele sofreu censura e reprovação por suas peças; e sofreu o mesmo por seus contos e ensaios – era pornógrafo demais para os conservadores; reacionário demais para os esquerdistas. Hoje aconteceria exatamente a mesma coisa: a direita mais obtusa que acredita que representar pecados e sordidezes equivale a aprovar pecados e sordidezes, o reprovaria; a esquerda mais obtusa que acredita na superstição do socialismo o reprovaria igualmente. De resto, o politicamente correto faria as vezes de mediador. Em consequência, Nelson estaria hoje pior do que ontem.
Num exercício de imaginação, qual seria a posição dele hoje?
A mesma: liberal demais para conservadores, conservador demais para liberais, repugnante para ambos.
Nelson teria Twitter ou Facebook?
Duvido. Ele teria horror à imbecilidade instantânea das redes sociais. Provavelmente seria um escritor turrão, avesso ao ethos do nosso tempo. Mas, claro, isso é só palpite. Vai saber.
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Reportagem de Álvaro Costa e Silva para o jornal Cândido, da Biblioteca Pública do Paraná.
http://www.candido.bpp.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=1435