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Luciano Ayan é pseudônimo para Carlos Augusto Afonso, analista político e consultor de TI, especializado em métodos de guerra política. Escreve no blog Ceticismo Político.

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1 Como surgiu seu interesse por frames, disputas retóricas, padrões argumentativos, guerras culturais e seitas políticas – e, principalmente, qual é o itinerário intelectual percorrido deste então: os livros, os autores, as bases teóricas?

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Curiosamente, meus interesses iniciais em debate guardam muito pouca relação (aparente) com o que se tem sido feito hoje, mas, no fundo, há uma essência que se mantém.

Eu era um grande fã de autores como Schopenhauer e Nietzsche em 2003. Nessa época, eu havia lido um livro interessantíssimo chamado A Nova Inquisição, de Robert Anton Wilson, que trouxe uma ideia muito interessante: a de que supostos “crentes na razão” ou “crentes na ciência” – geralmente leitores de Carl Sagan – talvez não fossem tão céticos quanto diziam ser. Assim, comecei a questionar “céticos” no Orkut em relação ao seu ceticismo. A ideia era realmente fazer um teste: pessoas que leem autores como Carl Sagan seriam mesmo céticas?

Fui notando, aos poucos, que eles se sentiam confortáveis questionando os outros, mas, no fundo, eram crentes em outras coisas. Em uma de suas crenças, adotavam o cientificismo, dizendo que as contingências humanas poderiam ser resolvidas pelo método científico. Nessa época, reconheço que fui muito “chato”, mas não era nada pessoal. Pessoas que se dizem céticas, mas no fundo são tão crédulas quanto as outras (em âmbitos diferentes), se incomodam com esse tipo de questionamento. Quando eu usava termos como “neo-gnosticismo” era claramente de zoeira, mas o fato é que realmente eu não estava interessado em adotar uma crença, mas em perceber os efeitos do dogma mesmo naqueles que dizem não os ter. Alguns criaram até perfis adicionais meus (na época, utilizava o perfil “Luciano Henrique”), mas não os administrei.

Em 2007, começou a surgir o movimento neoateísta, de Richard Dawkins e Sam Harris. Como eu tinha um passado de ateísmo inspirado em Schopenhauer e Nietzsche, sentia que havia um problema nesse “novo ateísmo”. Basicamente, diziam que representavam a razão e a ciência, mas o discurso não era tão racional assim. Era um movimento intolerante em relação à religião (e que, conforme vemos no futuro, foi útil para despertar politicamente uma religiosidade mais radical na população). Nessa época, decidi questionar os neoateus. Tal como fizera com os “céticos de Sagan”, o princípio era o mesmo: se alguém alega ser maior “usuário da razão” que os outros – no caso, os religiosos –, deveria provar que tem mais razão, em vez de ganhar na carteirada. Ao contrário, dava até pena ver como muitos religiosos sucumbiam aos truques neoateus. Por padrão, os debates de Orkut entre neoateus e teístas eram vencidos pelos primeiros quase sempre pela rotulagem. Mesmo sendo agnóstico, resolvi adotar um perfil “deísta para debates”, e tomei partido dos religiosos, para reequilibrar o jogo.

Não era tanto para defender a religião, mas para observar até aonde ia a pretensão de falsa autoridade moral. Toda essa fase era baseada em debates no Orkut, onde angariei vários leitores religiosos. Com o tempo, até mesmo comecei a aceitar algumas crenças da teologia religiosa, mas confesso que, ao me rotular “adepto da teologia católica”, mal sabia do que estava falando. Nessa fase, um autor que me impressionou bastante foi William Lane Craig, com seu nível de detalhamento argumentativo. Copiei várias coisas dele, não tanto quanto a crenças, mas à metodologia. Essa fase durou entre 2007 e 2009, aproximadamente (se não me engano, em termos de datas).

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Até hoje me perguntam: “Ei, eu lembro dos tempos em que você era criacionista”. Isso é falso. Na época, eu adotava um perfil “agnóstico” em relação a crenças desse tipo, mas queria questionar alguns excessos inicialmente de leitores de Carl Sagan, e posteriormente de Richard Dawkins e Sam Harris.

Na fase do Orkut, minhas refutações não tinham algo que pudesse ser definido como agressivo, mas eram incômodas, detalhistas etc. Em 2009, assisti a um vídeo de Olavo de Carvalho (retirado do True Outspeak) na refutação aos neoateus, e entendi que o tom adequado era aquele. Nesse mesmo ano, um amigo me indicou o livro A Arte da Guerra Política, de David Horowitz, que debulhei. Na mesma época, li Rules for Radicals, de Saul Alinsky. Já desde Horowitz, tinha tomado a decisão: esses debates deveriam ser decididos pela guerra política.

Nessa fase, eu já havia lido (e gostado) de vários autores conservadores e liberais, mas os que mais me influenciaram foram David Hume e Ludwig von Mises. Fui ler Edmund Burke só em 2010, fase em que também li Russel Kirk. Entretanto, os meus preferidos são: John Gray e Theodore Dalrymple. Curiosamente, nessa fase pós-2010 a influência de Olavo de Carvalho começou a “limitar” um pouco o espetro de autores lidos, mas tudo bem. Achava interessante a intensidade com a qual os opositores eram combatidos. Só havia um detalhe: em 2011 me “reconverti” ao ateísmo de novo. Mais ainda: acabei caindo de cabeça no darwinismo como meio de estudar os comportamentos humanos. Nessa fase, podemos dizer que eu era influenciado pelo reacionarismo de Olavo de Carvalho (que eu definia como “conservadorismo”, erroneamente), mas também pela perspectiva de autores como Gray e Dalrymple, e pretendia reconstruir o material de Horowitz e Alinsky para a direita. No primeiro caso, foi tranquilo, já que Horowitz era de direita. No segundo, foi mais complicado, mas… não é que deu certo? Hoje em dia muitos direitistas são inspirados por Alinsky, conforme a análise reconstruída (em que seus métodos podem valer tanto para direita como para a esquerda).

No blog (que eu criei em 2009), inicialmente sob o título “Neo Ateísmo, Um Delírio”, posteriormente atualizado para “Ceticismo Político”, inicialmente eu refutava o neoateísmo sob a perspectiva de Horowitz e Alinsky. Em 2012, resolvi apresentar a disciplina de análise de frames, conforme o material de George Lakoff – cuja obra decifrei por completo nos anos seguintes. Aos poucos, o blog foi incorporando mais e mais análises da briga esquerda versus direita e deixando de lado as discussões envolvendo neoateísmo, até porque esse movimento já estava se tornando insignificante. As batalhas mais importantes decididamente seriam entre esquerda e direita.

Desde os tempos do Orkut, eu já havia adquirido uma mania de converter os discursos adversários em “rotinas”, que eram catalogadas. Com isso, as refutações ao discurso adversário eram mais rápidas. Por exemplo, rotinas cientificistas são como “eu sou o dono da razão” ou “eu cheguei à conclusão por muito mais reflexão que você”. Essas rotinas possuem uma estrutura, algumas variações, mas geralmente podem ser refutadas de forma padronizada. Com isso, poupa-se tempo. Descobri também que os adversários ficaram muito irritados…. ☹[falando sério, era divertido]

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Meu interesse na guerra política tinha a ver com meu extremo ceticismo em relação ao ser humano, mas principalmente o ceticismo em relação à honestidade intelectual em debates. Então, entendia que cada lado deveria estar equiparado em termos de métodos da guerra política (ex. Horowitz, Alinsky) e controle de frame para, enfim, existir um verdadeiro e decente “debate”. Com os ensaios sobre Horowitz e Alinsky, publicados entre 2011 e 2012, e vários textos sobre frames em 2013, bastava ir adicionando novos elementos aos poucos para um paradigma de ação política bastante metodológica.

A partir de 2013, o blog reduziu a quantidade de textos técnicos e aos poucos foi aumentando a quantidade de notícias comentadas. Porém, nesse meio tempo, fui ampliando radicalmente os estudos de dinâmica social, psicologia social e psicologia evolutiva, incluindo pesquisadores como Kurt Lewin, Solomon Asch, Philip Zimbardo, Muzafer Sherif, David Livingstone Smith, Leon Festinger e diversos outros. Nessa fase, também desenvolvi o termo “ceticismo político”, e foi nessa mesma época, se não me engano, que o blog mudou de “Luciano Ayan” para “Ceticismo Político”. Em 2013, quase escrevi um livro sobre ceticismo político, mas ficou guardado. Em 2015, eu estava para lançar um livro sobre guerra política (compilando meus escritos sobre Horowitz e Alinsky), mas a coisa ficou parada por causa das brigas com olavistas.

Em 2018, porém, depois de uma série de confusões, decidi me dedicar seis meses para terminar um livro que é a materialização de minha perspectiva para guerra política: a dinâmica social junto à crítica ao direitismo paternalista, com o objetivo de visualizar a política além dos discursos, mas por uma ótica “na carne”. Este livro já foi concluído e está com o editor. O detalhe é que, com o livro concluído, eu já tinha um novo padrão de atuação, que vai além de interpretar rotinas e frames. Quero entender padrões humanos de comportamento em qualquer tipo de disputa política. Talvez por isso tenha sido tão rápido para eu desenvolver um material envolvendo seitas políticas – o que fiz entre fevereiro e maio deste ano –, uma vez que o pensamento sectário se tornou problemático na direita atual, mas o trabalho tem amplitude bem maior do que falar da direita. Esse trabalho também está prestes a ser convertido em livro, com as devidas adaptações.

Se é fato que já adotei tons bem mais radicais para minha ação política no passado, hoje posso dizer que estou bastante moderado, cada vez mais me encaixando no perfil liberal/conservador de tons clássicos. Entretanto, o material se tornou mais “seco” e às vezes até incômodo para alguns.

O mais interessante é que em tudo que acabei fazendo, no fim, existe sempre uma linha de ação clara: reduzir chances do comportamento autoritário, a partir da conscientização dos desfavorecidos em termos de “prática na guerra política”. Assim, da ajuda aos religiosos contra os neoateus nos tempos do Orkut, eu passei para ajudar a direita e relação à esquerda. E, agora, quero ajudar os adeptos da visão democrática, principalmente pela direita, a se livrar de extremismos na ação política, seja de direita ou de esquerda. Se o pensamento sectário é ferramenta motriz dos extremistas, deve ser desconstruído para entendimento dos não-sectários. A dinâmica social da guerra política visa atender principalmente a liberais e conservadores de tons clássicos.

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O trabalho sobre dinâmica social já incorpora, de maneira mais ampla, a análise de frames. Em qualquer coisa que escrevo, os princípios de guerra política estão incorporados. Mas é claro que a perspectiva é mais ampla agora, e cada vez menos dogmática. No fundo, voltei às minhas raízes mais céticas, mas com a metodologia que eu não tinha no passado.

 

2 Sua trajetória em certo momento se confunde com a dos grupos e personagens que você hoje analisa, critica e, de certa forma, denuncia (aliás, posso dizer o mesmo sobre mim). Qual foi o gatilho para a ruptura, e o que mudou?

Acredito que, em 2014, quando comecei a influenciar as ações relacionadas ao impeachment, especialmente pela aliança com o MBL, eu me envolvi de cabeça no “dia-a-dia” do jogo. Nessa fase, eu ainda validava muitas das atitudes de Olavo de Carvalho, mas já desconfiava seriamente de coisas como “estratégia das tesouras”, a excessiva atenção dada ao Foro de São Paulo e até algumas teorias da conspiração. Ao notar que o apoio ao impeachment batia de frente com as intenções diferentes dos olavistas, não demorou para finalmente ocorrer a briga, no final de 2015.

Nessa época, eu ainda me apresentava apenas com o pseudônimo, e era claro que a briga seria inevitável. Depois disso, começou um surto de perseguição de alguns olavetes contra mim, buscando “descobrir” minha identidade.

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Enquanto isso, eu ajudava nos trabalhos pelo impeachment, mas lidava também com a perseguição feita contra outros direitistas. Vários amigos sofreram linchamento virtual. Do “lado de fora”, ficava mais fácil observar que esse grupo era tão autoritário quanto os mais sectários grupos petistas. No final de 2017, um repórter entrou em contato comigo e disse ter recebido informações do filósofo para descobrir a “identidade do falsário Luciano Ayan”. Em 11 de março de 2017, um sujeito que atuava no Terça Livre, Rafael C. Libardi, produziu um dossiê revelando minha identidade http://archive.is/aIyR5. Três dias depois, a vereadora Marielle morreu. Eu publiquei no site Ceticismo Político uma matéria citando as declarações de uma desembargadora. Como já havia sido criado o clima do “perfil falso” (exposto por olavistas), seria praticamente impossível que eu não fosse banido do Facebook, além de ser acusado de ser produtor de fake news pela mídia. Minha página foi banida do Facebook. Em meados de junho, após uma entrevista minha ao Profissão Repórter, um vídeo mostrando a íntegra de uma resposta minha ao repórter repercutiu nas redes sociais, com mais de 10 milhões de visualizações. Isso mudou um pouco o jogo a meu favor, mas, em julho de 2018, algumas páginas supostamente ligadas ao MBL foram banidas. Mas eis que outro olavete fez um segundo dossiê, agora tentando alegar que eu seria o responsável por uma “rede de páginas”. Somente em 8 de agosto de 2018 saiu a lista de páginas que haviam sido banidas e, pela relação, seria impossível provar qualquer associação minha. E assim o segundo dossiê feito por este olavete perdeu efeito. Soube depois que eles enviavam dossiês para a mídia, mas já tinham mandado tudo que tinham em mãos.

Nesse meio tempo, curiosamente, interagi com pessoas da mídia que já haviam me acusado de produção de fake news e que voltaram atrás após o contato e o recebimento de maiores informações. Por exemplo, fui tratado dignamente pelo UOL após uma entrevista gravada. Ao mesmo tempo, aqueles que divulgaram informações falsas sobre mim, dentro da direita, jamais recuavam, mesmo diante dos fatos.

Junto com os diversos casos de assassinato de reputação praticados dentro da direita, além das diversas formas de intimidação, era evidente que a tendência autoritária ali seria a maior possível. Não dava para me associar a isso. Se eu já havia saído do círculo olavista de relacionamento em 2016, rompi com o meio bolsonarista também no final de 2018.

Desde então, há uma liberdade maior de pensamento, pois nesses meios vivemos cerceando nossas opiniões. No meio olavista, nem se fala. O cercadinho de opiniões é mínimo. No meio bolsonarista, mais amplo, também há certas restrições. Fora dele, podemos discutir mais ideias. Se aproveitei esse meio tempo para incorporar coisas como teoria do capital social e teoria do seletorado em meu modelo de dinâmica social, pude fazê-lo com mais liberdade. No fim das contas, mudou também a perspectiva, com a ciência, na prática, de que a extrema-direita é quase tão problemática quanto a extrema-esquerda, algo que antes eu recusava admitir.

 

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3 Como você analisa o atual governo – ou, para ser mais preciso, o “fenômeno” político-midiático que possibilitou e tem sustentado o atual governo?

O que estamos vendo no governo atual é uma coisa nova, que não havíamos experimentado antes, pois é um governo em que parte da base de apoio está nas redes sociais. Nesse clima de antipolítica, o caldo ferve ainda mais.

Com a antipolítica, abriu-se espaço para setores da direita extremista, como populismo, neofascismo, reacionarismo etc.

Pode-se dizer que há seis blocos na base, do maior para o menor: militares, classe política, olavistas, liberais, lavajatistas e evangélicos. Se os últimos estão em número reduzidíssimo, o setor militar compõe quase 30% da base nomeada. Mesmo assim, hoje há uma disputa entre militares e olavistas. Se estes últimos estão próximos a dois dos filhos do presidente, isso pesa a favor deles.

Como os olavistas são extremistas e ultrasectários, o clima é propício à ruptura e sempre as guerras internas são disputadas na base do “vale-tudo”. Já abateram Gustavo Bebianno, atingiram 10 deputados (que foram em viagem à China), o General Mourão, e agora estão atrás do General Santos Cruz. O clima sempre será de vale-tudo, quase sem regras.

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Pelo lado de Bolsonaro, nota-se que ele adotou o estilo caótico, em que deixa os blocos da base brigarem até o limite, para que vença o melhor. É uma tática arriscada.

Desse jeito, é difícil falar em “governo”, mas em luta por ocupação de espaços, ficando nas mãos do Congresso as reformas. Não há tempo para governo se tudo está baseado em guerras por cargos.

Por fim, não há espaço para liberais no governo, a não ser o setor “liberal-econômico”, que foca em reformas na economia e nada mais. Isso pode gerar riscos para a democracia. Isso também acontece porque faltam liberais clássicos que, além da economia, preocupam-se com a separação dos poderes, manutenção da democracia etc. A meu ver, algo de maior atenção para nós deveria ser assegurar a democracia.

 

(Publicarei amanhã a segunda parte da entrevista)

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