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Uma descida à Makhpelá

por Cassionei Niches Petry

Há um tempinho considerável não lia um romance da literatura brasileira contemporânea tão desafiador. Quando falo desafiador, me refiro àquela obra que nos faz juntar as peças para montar um quebra-cabeça intelectual, mas é bom que também não seja hermética, em que só os iniciados consigam entrar. Céu subterrâneo (que nos desafia desde o título), de Paulo Rosenbaum (Editora Perspectiva, 2016, 249 páginas), é uma mistura bem dosada de romance policial (ou de investigação), histórico, metalinguístico e psicológico. O mais importante, porém, é que conta uma boa história.

O narrador-protagonista é Adam Mondale, que se afastou da universidade onde exercia as funções de professor, pesquisador de comportamento animal e diretor do Instituto de Psicologia. Os motivos são as modernizações do curso e os consequentes conflitos com os colegas. Decide dedicar-se à carreira de escritor e obtém uma bolsa que lhe permite viajar para Israel, onde estão suas raízes, já que é descendente de judeus. Isso, porém, só ficamos sabendo depois do primeiro capítulo, em que vemos o personagem sendo aconselhado a não deixar o país por dois policiais que o procuram no seu apartamento. Ele não sabe o motivo e nós, leitores, tampouco o sabemos. Adam passa, então, a narrar os acontecimentos que antecederam a visita indesejada e o enredo começa a se delinear.

“Se pudesse ser honesto, teria que admitir, o verdadeiro agente de toda trama tem que ser o acaso”, afirma o narrador. E é o acaso que o faz encontrar nessa viagem um negativo de máquina fotográfica Polaroide em péssimas condições. Através de um laboratório especializado, consegue revelar a imagem: pés enormes e em torno deles uma porção de letras espalhadas de forma randômica. A busca por entender o que vê o leva ao laboratório do cientista Dr. Hass. Através de um holograma (ou holotrama), a revelação se torna ainda mais surpreendente.

Não gostaria de revelar (percebam a reincidência do verbo) ainda mais do enredo ao leitor. Resta dizer que essa jornada transporta Adam para Hebron, mais precisamente à gruta de Makhpelá, onde estariam sepultados os patriarcas Abraão, Isaac, Jacó e suas mulheres, bem como o primeiro casal bíblico, Adão e Eva. O lugar foi explorado em 1967 por um expedição que levou uma menina de 12 anos, filha de um militar, a entrar na estreita gruta. Paulo Rosenbaum se baseou nesse caso verídico para desenvolver seu romance.

Além do novelo religioso, metafísico e histórico que é desenrolado, a obra traz interessantes reflexões sobre o fazer literário. Conversando com uma espécie de mestre imaginário chamado Assis Beiras (que aparece citado nos agradecimentos do autor no início do livro), Adam Mondale busca conselhos, pois precisa cumprir o compromisso adquirido com a bolsa. Não sabe se vai escrever poesia ou prosa, mas sabe que precisa se livrar do jargão acadêmico. Seu “deimon” alerta: “seja lá o que for escrever, lembre-se, tem que ser arrebatador!”

Paulo Rosenbaum segue o mestre, afinal o conselho era para ele mesmo (que igualmente recebeu uma bolsa para se dedicar à literatura em Israel), e nos presenteia com um romance digno de nota. Resta-me buscar o anterior do escritor, A verdade lançada ao solo, e o recente, de poemas, A pele que nos divide.

*

Cassionei Niches Petry é Mestre em Letras-Leitura e Cognição, professor de Literatura e Línguas Portuguesa e Espanhola no Ensino Médio. Autor dos livros de contos “Arranhões e outras feridas” (Multifoco) e “Cacos e outros pedaços” (Penalux), do romance “Os óculos de Paula”, (Livros Ilimitados) e do livro de crônicas e ensaios “Vamos falar sobre suicídio?” (Kindle/Amazon). Atualmente, é colunista do site Digestivo Cultural, Portal Entretextos e colabora com o Caderno de Sábado do jornal Correio do Povo, de Porto Alegre – RS.

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