Determinados códigos de conduta – nem sempre escritos, mas obrigatórios como se fossem – costumam ser respeitados em todo tipo de agrupamento humano. Do vestiário à penitenciária, do ringue ao pátio, da casa à rua, não é difícil entender que certas coisas não se fazem, certos golpes não valem, certas palavras não se pronunciam, certas ofensas não se justificam.
No pré-diluviano tempo em que havia algum sentido de honra, um menino podia provocar o outro de todo jeito, mas não podia xingar a mãe. Nem mesmo a irmã devia ser mencionada numa contenda. Mas sobretudo a mãe. Mãe é mãe, e mãe não entra na briga de rua ou de pátio, mãe não sai da boca deste para terminar nos ouvidos daquele. Xingou a mãe alheia, perdeu a razão. Xingue a pátria, o time, a religião, mas honra pai e mãe, por favor. É um limite que não se deve transpor, uma fronteira que não se pode atravessar.
Eu e meus amigos sabíamos disso. Tínhamos 8, 9, 12 anos. Pois o excelentíssimo Ministro da Educação, senhor Abraham Weintraub, não sabe. Ele não sabe de muitas outras coisas, mas também essa ele ignora com o rigor de costume.
Enquanto disparava suas diatribes contra a Proclamação da República no dia da Proclamação da República, uma leitora provocou: “Se voltarmos à Monarquia, você certamente será nomeado o bobo da corte”. Eu, figura desimportante, recebo ofensas piores. Ignoro. Acho graça. Faço delas matéria-prima de risada. O Ministro, com jeitão de aluno repetente da 7ª E, retruca: “Uma pena. Eu prefiro cuidar dos estábulos. Ficaria mais perto da égua sarnenta e desdentada da sua mãe”.
Por ironia, tal postura indecorosa me faz considerar que, de fato, é provável que ele tenha razão ao menos num ponto: se era para terminar nisso, antes fôssemos colônia até hoje. Pois se proclamamos a República, se promovemos a democracia, se acreditamos no sufrágio universal para, depois de todos os esforços, eleger essa qualidade de gente, então que ficássemos com reis e rainhas, príncipes e princesas, casamentos arranjados e bobos da corte de verdade.
Mas, afinal de contas, controvérsias histórias e ideológicas à parte, a República foi proclamada e a democracia foi restabelecida, tudo para que tenhamos o invariavelmente ingrato direito de votar.
Votamos.
Festa da democracia.
É pique, é piqueÉ pique, é pique, é piqueÉ hora, é horaÉ hora, é hora, é horaRa-tim-bum!
Então o presidente eleito organiza seu ministério com todo o cuidado (suspension of disbelief, Sir) e, dentre seus ministros, escolhe um daqueles que defendem a família no atacado, mas a atacam no varejo. Um ministro que não sabe responder a uma crítica, boba o quanto seja, sem pisotear todos os códigos, sem avacalhar todos os valores, sem ultrapassar todos os limites, e não se impõe a disciplina que garotos de escola, que lutadores de vale-tudo, que condenados à prisão – que, ora essa, até mesmo Incitatus talvez se impusesse no senado romano.
Abraham Weintraub é o argumento irrespondível a favor da Monarquia.