Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo| Foto:

Uma das grandes entre as pequenas questões em torno da vitória Bolsonaro, da derrota do PT e do nosso futuro político, é a seguinte: “E aí, vai mesmo torcer contra o Brasil?” Por torcer contra o Brasil entenda-se: torcer contra Bolsonaro. Brasil é Bolsonaro, Bolsonaro é Brasil. Ame-o ou deixe-o. Resolvi pensar sobre o assunto. Essa pergunta teria de ser desmembrada em duas outras, subjacentes.

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A primeira: torcer contra determinado governo, ou governante, ou modo de governar – é, necessariamente, torcer contra o país?

A segunda: você, seja lá quem for, torceria sinceramente pelo seu adversário, caso tivesse sido dele, a vitória?

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Não gosto dessa identificação entre governo e Estado, entre governo e governante e, principalmente, entre governo e país. Não torço contra o Brasil porque moro nele, minha família mora nele, aqui vivemos e aqui morreremos. Nem por isso me sinto moralmente obrigado a torcer a favor de certo governo, ou governante, ou modo de governar.

Parece contraditório, mas não é. Um governo representa a si mesmo, mais do que o país. No caso destas eleições, por exemplo, se é verdade que mais de 50 milhões de pessoas votaram no Bolsonaro, é também verdade que outras 100 milhões não votaram. Isso conta ou deveria contar, numa democracia. Democracia não é exatamente o governo da maioria, mas de uma minoria que é um pouco mais numerosa do que as outras minorias. A soma de todas as minorias que perderam é maior do que a minoria que venceu.

Estou, portanto, confessando que torço contra o governo de Bolsonaro? Nem por isso. O caso, e isso é outra nuance, não é de torcer, mas de criticar sem boa vontade. De olhar com menos condescendência e simpatia para um governante em quem não votei. Se eu tivesse boa vontade para com ele, teria votado nele. Não votei. Estou pronto para dizer “Olha lá, eu não avisei?” à primeira besteira que ele fizer. Isso é compreensível. Eu critico e criticarei Bolsonaro porque não vejo nele as qualidades que outros veem.

E aqui chegamos à segunda pergunta: todos esses entusiasmados brasileiros que hoje torcem pelo Brasil – ou seja: votaram no Bolsonaro e torcem por ele –, também torceram para que Lula fizesse um bom governo? Torceram para um ótimo governo de Dilma Rousseff? Torceriam novamente? Sim, eu sei, há os crimes que foram cometidos. Mas imaginemos antes – antes dos crimes, antes de tudo, quando Lula era uma figura tão controversa, porém idônea penalmente, quanto hoje é Jair Bolsonaro: naquela época, se pudessem voltar no tempo, torceriam por ele?

Eu não. Não votei nele e não torcia nem torceria por ele. Lula sempre representou uma visão de mundo, um conjunto de valores que nunca foram os meus. Minha antipatia era, e é, moral e intelectual. Queria mais era que ele se danasse, que cometesse erros, que trocasse os pés pelas mãos – tudo para que caísse, tudo para que fracassasse, tudo para que eu pudesse dizer, cedo ou tarde: “Olha lá, eu não avisei?”

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Então, diante disso, não sei se torci contra o Brasil. Torci contra Lula, Lula era o presidente do Brasil, logo… Não acredito ter sido um traidor da pátria, porque nunca confundi governo nenhum, muito menos o de Lula, com a pátria. Aqui, volto ao princípio: por acaso governo é governante? Governo é Estado? Estado é país? Perigosa, essa confusão entre acidente e substância.

Prefiro torcer para que Bolsonaro não erre tanto, porque governa o país em que vivo, mas que sua visão de mundo – que considero precária; uma versão à direita da precariedade de Lula – não se perpetue. Que ele faça um governo bom ou razoável, mas que o Brasil siga sem ele o mais rápido que puder. Até porque, convenhamos, fazer um governo bom ou razoável depois de governos tão ruins, quanto os anteriores, não é mérito. É o mínimo que se espera.

O leitor da Gazeta do Povo – e eleitor de Jair Bolsonaro – que a esta altura deseja morte lenta e dolorosa a este colunista, no fundo sabe do que estou falando: você torceu para que Dilma Rousseff, em meio à crise, achasse uma saída, chamasse o Meirelles e colocasse a economia nos eixos e o país prosperasse? Tenho certeza de que não. E sou capaz de compreendê-lo.

Você também torceu contra o Brasil.