Embora tenha provocado palpitações morais na audiência, a filosofia que inspira o artigo de Hélio Schwartsman, Por que torço para que Bolsonaro morra, tem origem respeitável e não foi inventada anteontem só para atacar o mandatário.
O consequencialismo consiste em julgar a qualidade moral de uma ação por suas consequências, e não por seu valor intrínseco.
Uma variação desse princípio é o utilitarismo de Jeremy Bentham (radical) e de John Stuart Mill (moderado): as consequências de um ato moral devem ser boas para o maior número possível de indivíduos.
E é com base nessa concepção que Schwartsman constrói seu argumento. Se a morte de Jair Bolsonaro trouxesse um bem a um número maior de pessoas, torcer para que ele morra seria legítimo. Mais do que legítimo, correto.
O curioso é que a estrutura do raciocínio é compartilhada pelo próprio Bolsonaro. A diferença é sutil, mais semântica que lógica, e a semelhança é grande.
Em 1999, aos 44 anos de idade, Bolsonaro defendia o fuzilamento de FHC, a ditadura militar e a morte de 30 mil inocentes. Para ele, tais consequências eram pequenas ante o bem maior previsto (que não se sabe qual seria).
“Através do voto você não vai mudar nada neste país, nada! Absolutamente nada! Você só vai mudar, infelizmente, no dia que nós partirmos para uma guerra civil aqui dentro… e fazendo o trabalho que o regime militar não fez, matando uns 30 mil! Começando com FHC, não deixar pra fora não! Matando! Se vai morrer alguns inocentes, tudo bem...”
Para nosso infortúnio, aquele político miúdo virou presidente miúdo e não freou nem mitigou esse ímpeto moral. Ao contrário: ratificou muitas e muitas vezes, em público, no exercício de mandatos sucessivos, ideias tão ou mais insultuosas que a defendida pelo colunista da Folha de S.Paulo.
Agora, como presidente da República, tendo a chance de demonstrar maturidade ética e espírito cívico, faz o contrário.
Sua reação à crise sanitária se limita a um grosseiro utilitarismo, carente de empatia, para quem os efeitos positivos da abertura econômica compensam os efeitos negativos das mortes. É a política pública do deixa-estar-para-ver-como-é que-fica.
Ora, mais de uma vez ele disse, e muitos de seus apoiadores repetiram, que quem tiver de morrer, que morra. Em especial os velhos e doentes. Foi muito além do deplorável “e daí”: incentivou e participou de aglomerações populares sem nenhum tipo de cuidado ou proteção.
Portanto, a distinção entre torcer e omitir, desejar e ignorar, é pequena. Enquanto Hélio Schwartsman torce pela morte de um homem, Jair Bolsonaro é indiferente à morte de quase 70 mil pessoas.
Do ponto de vista prático, concreto, factual, o desejo do jornalista causa menos danos que a irresponsabilidade do político. Hélio torce pela morte de Bolsonaro, mas sua esperança é irrelevante. Bolsonaro, por sua vez, poderia e deveria agir para minimizar os efeitos da pandemia, mas nada faz.
Eu não sou consequencialista e por isso reprovo a posição de ambos. Os atos e sujeitos morais têm valor intrínseco. Pouco importa o sentimento íntimo de repulsa ou admiração que eu porventura tenha pelo presidente ou pelo comentarista. Bolsonaro deveria rejeitar a filosofia de Hélio pelo mesmo motivo que Hélio deveria rejeitar a filosofia de Bolsonaro.
Para quem se interesse pela discussão, recomendo o livro Moral – Uma Introdução à Ética, de Bernard Williams, publicado no Brasil pela Martins Fontes.
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