Livro de Jorge Ferreira e Ângela de Castro Gomes lançado pela Record| Foto:

Aos 50 anos do golpe muita coisa ainda precisa ser escrita sobre 1964 e o Regime Militar ali implantado. Não vai ser com um post de blog ou com um tuíte que a gente vai resolver essa grande pendência histórica.

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Entretanto, uma “data comemorativa” como essa ajuda a provocar maior debate sobre um tema que está atravessado na garganta do Brasil. Na madrugada de 31 de março para 1º de abril de 1964, portanto há 50 anos, caía sem resistir o presidente constitucional do Brasil – João Goulart.

O país não tinha nada próximo de uma tradição democrática a zelar, mas o golpe vinha interromper uma experiência muito frutífera de democratização no período 1945-1964. Havia grande instabilidade institucional, mas os governos Vargas (1951-54), Kubischek (1956-60) e  João Goulart (1961-64) foram responsáveis por grandes avanços na inclusão das massas urbanas na política e na economia.

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Pode-se resumir o golpe como uma reação das elites oligárquicas à perda de influência decorrente do período democrático. A isso se somou a cultura golpista da oposição (com farto apoio entre os oficiais militares) contra a esquerda trabalhista que governou a maior parte do período democrático. E mais um complicador: a Guerra Fria e o interesse norte-americano em apoiar regimes anti-comunistas (o medo de uma nova Sierra Maestra falava mais alto que a razão no planejamento norte americano). Este último fator teria sido decisivo para João Goulart entregar o governo sem resistência – o poderio militar norte americano mergulharia o país numa tragédia militar em caso de resistência.

O golpe e o regime por ele implantado foram definidores dos rumos de um Brasil excludente, violento e corrupto. As possibilidades de avanço social foram abortadas, a concentração econômica aumentou e ninguém esteve seguro diante do poder fardado. Por outro lado, o desenvolvimento econômico foi acelerado, mas de forma desequilibrada: o “milagre econômico” do início dos anos 1960 resultou na grave crise de estagnação econômica, desemprego e hiperinflação dos anos 1980 e 90.

Por essa e por outras, acertar as contas com esse passado autoritário é chave para o Brasil tomar o rumo do desenvolvimento justo e equilibrado. Um país melhor para nossos filhos e netos exige a revisão do legado deixado por nossos pais e avós.

Por isso, o blog faz hoje um reforço e uma lembrança, seguidos por uma pequena lista de leituras recomendadas para quem quer mergulhar na história do golpe e do Regime Militar.

Aqui na Gazeta, a semana está marcada por uma série de reportagens, que pode ser acessada aqui.

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Muita coisa deve estar saindo na imprensa, e haja fôlego para acompanhar tudo. Mas suspeito que o especial da revista Carta Capital deva ser o que saiu de melhor.

Na internet também muita gente boa escrevendo sobre o assunto, e dificilmente alguém resumirá melhor o cenário histórico envolvido no golpe do que o prof. Maurício Santoro neste post.

Além dos textos rápidos de imprensa escrita e internet, uma ótima notícia que o aniversário do golpe nos traz são os lançamentos editoriais. Muito historiador fera, que trabalhou anos nos arquivos e compilou grande quantidade de documentos, dando o correto enfoque metodológico, acabou recebendo espaço nas grandes editoras e lançando livros indispensáveis para pensar o golpe e o Regime Militar. Não devo saber de todos, mas faço aqui minha listinha dos que acho obrigatórios. Como a maioria está saindo por agora, ainda não deu tempo de ler – coisa que a gente vai ter de fazer nos próximos dias (ou meses, pela quantidade de coisa boa).

O que saiu mais cedo eu já li – o livro do professor Marcos Napolitano, da FFLCH-USP. Indispensável e obrigatório, pelas avaliações amplas e pelos capítulos sobre a cultura e a resistência ao regime, temas que ele conhece melhor do que ninguém. Uma resenha deste livro já apareceu aqui neste blog. Tem nas livrarias e tem também em Kindle.

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Este livro eu acabei de receber, mas ainda não li. Provavelmente vou fazer resenha dele em breve. Os dois autores são grandes autoridades em história política brasileira. Representam, digamos assim, uma tradição historiográfica carioca. Jorge Ferreira estabeleceu sua reputação autoral com a super biografia de Jango, que conta muito bem a história do golpe. O livro sobre Jango já recebeu resenha minha aqui na Gazeta. Até onde sei, este aí não saiu em versão digital, só nas livrarias.

A Zahar também fez vários lançamentos importantes:

O principal deles é uma grande avaliação coletiva do Regime Militar, com textos escritos por vários especialistas. A organização do livro ficou a cargo de três professores que dispensam comentários. Marcelo Ridenti, da UNICAMP, Rodrigo Patto, da UFMG e Daniel Aarão Reis Filho, da UFF. Aqui na página da editora tem sumário e mais informações. Tem versão Kindle.

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De Daniel Aarão Reis Filhos a Zahar também lançou este livro cuja capa aparece acima. Uma tentativa de fazer uma interpretação mais abrangente do Regime Militar e de sua resistência de esquerda dentro de uma longa tradição brasileira. Na página da editora, mais informações e o sumário. Também está disponível em Kindle.

Mas talvez o mais interessante de todos os lançamentos seja este livro de Rodrigo Patto, professor da UFMG. As diversas ações institucionais do Regime Militar deixaram sérias consequências para o Brasil de hoje, com um entulho autoritário do qual a gente vai tendo muita dificuldade de se livrar. Talvez um dos principais motivos seja o poder que as universidades possuem de reproduzir ad infinitum o modelo legado pelas intervenções dos presidentes-generais. Rodrigo Patto mergulha neste processo, num livro que me parece que vai ajudar a repensar muita coisa. Mais informações na página da editora. E também possui versão Kindle.

Provavelmente é desconhecimento meu, por não serem áreas com as quais trabalho, mas estão faltando os lançamentos que discutam outros aspectos cruciais do nosso legado autoritário. Eu gostaria muito de ler estudos especializados sob o Regime Militar e seu legado sob os seguintes aspectos (mas aí talvez não fosse tão interessante para as editoras do ponto de vista comercial):

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* Economia: nosso sistema tributário kafkeano e  regressivo (pune quem trabalha e quem produz), e nossa estrutura cartorial feita de criar dificuldades para vender facilidades ou favorecer os amigos do poder – tudo isso foi um legado construído cuidadosamente pelo Regime Militar, e a gente nem passou perto de resolver esta questão. É hoje um entrave seríssimo para o desenvolvimento do Brasil;

* Polícia: ainda vivemos sob os coturnos da Polícia Militar, uma coisa que só o Brasil tem, e que foi desenhada para uso de mão pesada sobre os descontentes com a política oficial. Esse lado talvez dê pouco glamour porque as principais vítimas cotidianas são os pobres da periferia. Mas talvez em tempos de protestos, rolezinhos, massacres e quetais a gente consiga começar uma discussão mais séria deste tema;

* Judiciário: um sistema ineficiente, lento e caro, dominado por poucas famílias, que serve para a garantia de privilégios e é totalmente inútil para proteger os direitos das pessoas comuns. Esse é o grande legado do Regime Militar que a gente também está longe de desmontar. Some-se com a nossa tradição portuguesa de longa duração, e temos uma barafunda de leis que faz o paraíso dos bacharéis em direito e o terror das pessoas simples.

Então é isso. 50 anos que custaram muito a passar. Ou melhor, não passaram. Porque se a gente não acertar as contas com esse passado, continuamos com ele como se fosse uma pedra no pescoço puxando a gente para o fundo.

Boas leituras!

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