No último domingo, o grupo vocal feminino Collegium Cantorum fez sua apresentação dentro da programação da Oficina de Música de Curitiba, em evento de lançamento do disco em que gravou a Missa de São Sebastião, de Heitor Villa-Lobos.
Algumas fotos da apresentação, de autoria de Cido Marques, podem ser vistas no Flickr da Fundação Cultural de Curitiba (por este link). A foto que ilustra este post foi digitalizada da capa do CD.
Apesar de ser nosso compositor de concerto mais conhecido e reconhecido, Villa-Lobos é bem menos executado do que merece. O trabalho do Collegium Cantorum merece destaque já por causa disso. Some-se o fato de que a obra é belíssima, de grande dificuldade de execução, e que o grupo é amador (no sentido de que seus integrantes trabalham por “amor à camisa” e não recebem remuneração), e temos um panorama da dimensão da empreitada que foi a preparação e a gravação desta obra.
Villa-Lobos escreveu sua Missa de São Sebastião em 1937, no momento em que trabalhava no projeto do Canto Orfeônico no período Vargas. Inicialmente Villa-Lobos implantou seu projeto de Educação Musical na prefeitura do Distrito Federal, quando era prefeito Pedro Ernesto, e secretário da educação Anísio Teixeira. Do sucesso do projeto no âmbito da então capital federal surgiu a proposta de ampliação para todo o país, passando Villa-Lobos a ter um cargo federal no Estado Novo.
Durante este período de atuação como burocrata, o trabalho composicional de Villa-Lobos ficou em segundo plano, pois ele precisou dedicar muito tempo à gestão de seu ambicioso projeto, e aos trabalhos de professor e regente que se tornaram suas principais atividades. A composição musical foi praticada apenas à medida em que pudesse fornecer material útil para os ideais que o moviam. Desta época saíram da pena do ídolo da música nacional obras como o ciclo das Bachianas Brasileiras e o ciclo do Guia Prático.
A Missa de São Sebastião entra neste pacote das obras vocais (à capela ou com acompanhamento), que procuravam mesclar religiosidade, culto à pátria, civismo e disciplina, bem como promover a aproximação entre a música brasileira e os clássicos europeus (Bach como modelo nas Bachianas, as missas de Palestrina como modelo para a Missa de São Sebastião). À parte o caráter conservador e autoritário do projeto, Villa-Lobos conseguiu imprimir uma notável qualidade musical às obras deste período, e exatamente por isso ele é um clássico: podemos esquecer a mesquinhez de sua atuação política e ouvir as obras deste período como grandes produtos do espírito humano e da cultura brasileira.
São Sebastião é o padroeiro da então capital federal (cujo nome completo muitas vezes é apresentado como a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro), e foi um mártir cristão do século III. Como todas as Missas tradicionalmente são desde os tempos de Guillaume de Machaut, Villa-Lobos mantém os movimentos tradicionais e o texto sacro em latim: Kyrie – Gloria – Credo – Sanctus – Benedictus – Agnus Dei (em muitas missas o Sanctus e o Benedictus integram o mesmo trecho musical). Para cada parte, Villa-Lobos acrescentou uma referência ao caráter de São Sebastião: “O virtuoso”, “Soldado romano”,”Defensor da igreja”, “O mártir”, “O santo”, “Protetor do Brasil”.
A beleza da obra você precisa conferir ouvindo-a. A qualidade da execução do Collegium Cantorum pode ser atestada por quem foi ao concerto ou quem comprou ou comprará o CD. Fazem jus à obra de Villa-Lobos e à tradição quase milenar das missas polifônicas cantadas. É impressionante o trabalho de preparação desenvolvido por Helma Haller, que obtém do seu conjunto um som perfeito, afinação exata, leveza nos agudos, pronúncia cuidadosa, dicção completamente inteligível (nem sempre fácil nas obras de Villa-Lobos), e boa timbragem dos três naipes em que o compositor dividiu o conjunto vocal.
Estão de parabéns as meninas que empenham considerável esforço e muitas vezes recursos próprios, para ensaiar, viajar com o grupo e participar das gravações. A Missa de São Sebastião soma às várias realizações anteriores do grupo Collegium Cantorum e coloca o grupo entre o seleto time dos cerca de meia dúzia de conjuntos vocais que dão significativa contribuição ao desenvolvimento da música brasileira de concerto (gravando, estreando e apresentando obras de compositores brasileiros no país e no exterior). Helma Haller coloca também seu nome entre os poucos regentes capazes de desenvolver trabalho tão esmerado, por tão longo tempo e com tão poucos recursos (financeiros e mesmo humanos).
Atesta para isso o fato de que a provavelmente única gravação anterior feita no Brasil foi aquela realizada em 1963 pela Associação de Canto Coral do Rio de Janeiro, regida por Cleofe Person de Mattos, a maior maestrina da História da Música Brasileira. (Veja sobre este disco aqui.)
Além destas gravações brasileiras, há uma realizada pelo grupo britânico Corydon Singers (veja aqui). Villa-Lobos conseguiu essa façanha de ser o único compositor brasileiro a conseguir lugar permanente na programação dos grupos musicais e no catálogo das gravadoras dos países centrais da indústria da música clássica.
Aliás, prestem atenção na programação da Oficina de Música, porque é uma rara oportunidade para ouvir os melhores músicos do mundo em Curitiba, e uma excelente programação para quem fica na (ou vem para a) cidade em janeiro.
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