Os professores Edilson Chaves e Ederson Lima organizaram uma excelente Semana de História do Instituto Federal do Paraná.
Esperamos que seja a primeira de muitas, porque a programação foi bem interessante. Veja aqui.
Os professores gentilmente me convidaram para uma palestra sobre o tema título deste post.
O que é um assunto que dá muito “pano pra manga”.
No caso brasileiro, pode-se dizer que os anos 60 começam com o surgimento da Bossa Nova. Acho que todos concordam que ela começa com a batida de violão de João Gilberto na música Chega de saudade, incluída no disco de Elizeth Cardoso Canção do amor demais (1958).
A voz de Elizeth representava o padrão do “vozeirão” da Era do Rádio: a cantora tinha potência, usava muito vibrato, portamentos e prolongava as vogais. Coisa que os jovens classe-média-zona-sul da época julgavam muito antiquado.
O violão de João Gilerto era a grande sacada. O cantor gravou novamente a canção em seu primeiro LP, de 1959. A interpretação vocal escolhida sugeria o que seria o novo estilo: a contenção, a economia de meios. Nada de vibrato, pouco volume, sem prolongamentos vocálicos a diluir a rítmica da canção.
Em torno da interpretação de João Gilberto para as canções de Jobim foram surgindo uma série de músicos articulados com um projeto de representação moderna do Brasil através da música popular.
Este projeto de fazer soar um Brasil moderno remontava às experiências musicais do modernismo, especialmente Villa-Lobos. Os modernistas haviam protagonizado uma representação musical do Brasil, mas aplicada à partitura que soava nas salas de concerto.
Desde a publicação da Revista de Música Popular (1954-56), ficava patente que um grupo de jornalistas e memorialistas começava a cultivar a idéia de que a representação sonora do Brasil se faria não mais pela aplicação de características da música popular às técnicas de composição de música erudita. Mas sim, os próprios compositores populares, calcados na idéia de que o samba dos anos 1920/30 representava a brasilidade autêntica, iriam processar a representação do Brasil moderno em suas canções.
A idéia estava perfeitamente na onda do entusiasmo desenvolvimentista de fins da década de 1950. Juscelino Kubitscheck chegou a ser apelidado de “presidente Bossa Nova”.
Na virada de 1961/62 a coisa mudou completamente de figura: o entusiasmo de crescer “50 anos em 5” revelava sua face obscura. O crescimento acelerado foi feito com excesso de endividamento, comprometimento das finanças públicas, e dependência das multi-nacionais. O resultado foi a inflação descontrolada, e problemas no balanço de pagamentos.
A crise se agravou com a renúncia de Jânio Quadros, e as histórias em torno da luta para garantir a posse do vice-presidente eleito – João Goulart, estão muito bem contadas na biografia recém publicada pelo historiador Jorge Ferreira (fiz uma resenha disso aqui na Gazeta).
Ou seja, em 1962 , o Brasil vivia uma percepção aguda dos problemas sociais e do subdesenvolvimento. Às greves e à radicalização do clima político, equivalia uma agitação cultural sem precedentes, com o envolvimento da juventude universitária como grupo privilegiado de circulação e produção de uma cultura nacionalista e de esquerda.
Havia uma percepção de que a Bossa Nova tinha feito a necessária modernização estética, mas carecia de conteúdo.
Essa reviravolta nos conteúdos, construiu em cima das conquistas harmônicas e estéticas da Bossa Nova um novo gênero de canção, alcunhado Bossa Nova Nacionalista, ou Canção de Protesto, ou ainda, Canção Engajada.
Para percebermos estas mudanças, escutamos as seguintes canções:
Carlos Lira – Influência do jazz (1963)
Baden Powell e Vinícius de Moraes – Canto de Ossanha (1966)
Edu Lobo – Borandá (1967)
O auge dessa articulação entre juventude universitária, esquerda nacionalista, canção popular, modernismo estético, e mídia televisiva e fonográfica aconteceu em torno dos festivais de 1967-68.
Assistimos dois vídeos paradigmáticos dessa representação da Canção Engajada nos festivais:
Geraldo Vandré – Disparada, defendida por Jair Rodrigues no festival de 1966
Chico Buarque – Roda viva, defendida pelo compositor no festival de 1967.
Mas a partir do Festival de 1968 entrou em cena um movimento proposto a problematizar o espaço dos festivais como catarse da juventude de esquerda.
O tropicalismo.
Porque desde meados da década de 1950 estava em curso o desenvolvimento da música que representava a juventude como consumidora e produtora de cultura, nos EUA e depois na Inglaterra.
Assistimos a um vídeo de Elvis Presley, cantando Tutti Frutti.
O cantor, em geral fazendo cover dos artistas negros que ficavam restritos às Race Records, enquanto ele, branco, podia circular por uma das majors, representava a rebeldia e a contestação, visto como um perigo para a moral e os bons costumes da classe dominante tradicional. Por isso as câmeras focavam tanto seu rosto ou seu violão, tentando evitar os quadris, que chacoalhavam sem parar.
No Brasil, os jovens suburbanos da Jovem Guarda ou Iê-Iê-Iê já vinham reproduzindo este modelo, em versões em português ou composições próprias. Mas eram vistos como alienados, representantes do imperialismo num meio musical dominado pelo mito da pureza original e da autenticidade exclusiva do samba como matriz da música popular brasileira.
Mas a explosão das bandas britânicas a partir de 1965 (Beatles, Rolling Stones e The Who), não tardaria a causar repercussões no Brasil.
(Assistimos o vídeo de My generation, apresentado por The Who em um clube noturno de Londres.)
Foi assim que o grupo formado por Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, somando-se aos Mutantes, e apoiados pelo trabalho de arranjo do compositor de vanguarda Rogério Duprat articulou uma representação concorrente de brasilidade.
Os tropicalistas incorporaram o ruído das guitarras, os gritos guturais. Abandonaram o discurso do romantismo revolucionário e passaram a retratar um Brasil contraditório, incorporando à “linha evolutiva de João Gilberto” o rock, a vanguarda e o kitsch.
Como exemplo, assistimos o vídeo de Gal Costa cantando Divino maravilhoso, de Caetano Veloso, no festival de 1968.
Pela trilha exposta acima, percebe-se o quanto foram agitados os anos 60, momento único de fusão entre engajamento político, modernização estética e repercussão midiática.
Um tempo que até hoje deixa saudades em muita gente, até porque a conjunção de fatores que produziu uma cultura musical tão representativa do Brasil nunca mais conseguiu se repetir com a mesma intensidade.
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