Na última quinta-feira eu fui mediador de uma mesa redonda com as professoras Marilia Giller e Berenice Corti, com o título O jazz em trânsito na América Latina: territórios casuais. O evento foi organizado pela professora Marilia Giller, e aconteceu no Conservatório de MPB de Curitiba. Foi uma promoção conjunta do Grupo de Pesquisa em Música, Cultura e Sociedade da UNESPAR (do qual sou líder e a professora Marilia Giller é integrante), do Conservatório de MPB de Curitiba e do Grupo de Trabalho Jazz na América Latina, da Associação Internacional de Estudos da Música Popular (IASPM na sigla em inglês), do qual a professora Berenice Corti é uma das coordenadoras.
A professora Marilia Giller, da UNESPAR Campus Curitiba II (FAP), apresentou suas descobertas sobre um interessante personagem deste “trânsito por territórios casuais”: o músico e dançarino britânico Gordon Stretton. Nascido em Liverpool, descendente de irlandeses e jamaicanos, ele foi acolhido em um lar de meninos e foi visto dançando na rua, o que lhe valeu o convite para trabalhar em uma companhia de espetáculos. Acabou vindo para a América do Sul em 1923, passando alguns meses entre Brasil, Uruguai e Argentina, terminando por fixar residência em Buenos Aires – onde viveu até sua morte em 1982.
Stretton parece ter sido um dos pioneiros do jazz no Brasil e na Argentina, sendo famoso principalmente pelo seu grupo Syncopated Six, com o qual se apresentou algum tempo em Paris, e com o qual veio ao Rio de Janeiro. Trabalhando com as matérias de jornais da época, Marilia Giller conseguiu reconstituir sua passagem pelo Brasil, e notar a importância deste músico que logo passa a atuar também com músicos brasileiros em seu conjunto, levando alguns para Buenos Aires.
Outro músico de trajetória curiosa nos foi apresentado pela professora Berenice Corti, da Universidad de Buenos Aires: Paul Wyer, de uma família de músicos do sul dos EUA (New Orleans e adjacências) que circulava também por Cuba na virada do século. Ele acaba fixando residência e trabalhando em Buenos Aires, onde será uma referência do jazz “hot” a partir da década de 1920.
Muito interessante ouvir as duas pesquisadoras falando sobre o tema, porque as pesquisas que elas empreenderam mostram um cenário muito diversificado da produção de música jazz nas primeiras décadas do século XX. Berenice Corti tem inclusive escrito trabalhos que questionam a fixação das origens do jazz como uma música negra norte-americana nascida em New Orleans. Sendo muito mais provável que seja uma música do trânsito de culturas da diáspora africana entre regiões do Caribe ou mais propriamente do Golfo do México, e não se pode deixar de lembrar da importante circulação desta música jazz pela Grã-Bretanha e por Paris, bem como sua difusão na América do Sul.
O estudo da circulação dos músicos de jazz e das jazz bands é hoje muito prejudicado por preconceitos ou ideologias nacionalistas. Tanto o nacionalismo estadunidense que criou o mito do jazz como uma música de origem norte-americana, como os nacionalismos brasileiro ou argentino que sempre questionaram o jazz como influência estrangeira perniciosa à autêntica música popular de seus países. Falar em jazz brasileiro, por exemplo, faz tanto sentido quanto falar em música clássica brasileira. Ou seja, se não há vergonha em usar partitura e escrever para orquestra sinfônica ou quarteto de cordas procurando uma expressão nacional, qual o problema em fazê-lo com técnicas de improviso e com o formato da jazz band do trio de hot jazz?
No caso da pesquisadora Marilia Giller, seu trabalho com as jazz bands no Paraná vem achando verdadeiras pérolas, como grupos musicais misturando presença de músicos imigrantes alemães, italianos ou poloneses com músicos indígenas e músicos negros. E as pesquisas de Berenice Corti apontaram a dificuldade em maquiar a presença negra na música argentina. Aliás esse foi um dos temas do livro que lançou no evento: Jazz argentino – la música “negra” del país “blanco”.
É claro que eu comprei o livro, estou doido pra ler, e provavelmente vou escrever alguma coisa sobre ele aqui no blog.
Por enquanto fica apenas a bronca em quem não foi (tinha pouco público): perderam. Se liguem nas próximas oportunidades. Esperamos poder trazer outra vez a Berenice a Curitiba para um evento maior e organizado sem os contratempos de greve da UNESPAR e férias da UFPR.
P.S – o post ia sair no sábado, mas por um problema técnico o blog esteve fora do ar.
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