O prof. Alvaro Borges organizou ao longo do ano de 2014 o ciclo de palestras e concertos Desde a música eletroacústica, uma iniciativa de extrema importância para a vida cultural e acadêmica da cidade, conforme tento explicar um pouco mais no texto a seguir. As atividades foram realizadas na FAP (UNESPAR – Campus Curitiba II) e em outros espaços da cidade. O ciclo foi ligado ao programa de extensão em Música Contemporânea da UNESPAR, e ao LiSonMe – Laboratório de Linguagens Sonoras e Música Eletroacústica, coordenado pelo professor.
Para falar um pouco da importância do ciclo, posso usar como ilustração minha relação pessoal com este tipo de produção musical. Eu concluí uma Licenciatura em Música sem ter tido nenhum contato com música eletroacústica. Eu cursei “Música Contemporânea” e “Composição Musical” em algumas Oficinas de Música de Curitiba e não ouvi falar nada sobre música eletroacústica. Eu cursei uma especialização em “Estéticas e Interpretação da Música do Século XX” e saí com alguma vaga noção da existência de uma coisa chamada música eletroacústica.
Meu primeiro contato sério com obras eletroacústicas em concerto foi durante a 1ª Bienal Música Hoje, realizada em Curitiba em 2011. Nesta época eu já era professor doutor em curso superior de música e fazia crítica musical. As críticas que escrevi sobre estes concertos foram publicadas num blog que parece que não está mais no ar (tenho os arquivos, que um dia vou republicar em algum lugar). Mas o balanço que fiz do evento como um todo foi publicado na Gazeta do Povo, e está neste link.
Todo este desconhecimento de minha parte, apesar de a música eletroacústica ser o gênero de composição musical mais importante da atualidade, tanto por ser o produto típico do mundo da segunda metade do século XX como pelas amplas possibilidades de pesquisa sonora que trouxe para os compositores. Bem como por sua ligação com áreas de tecnologia de ponta (em acústica, matemática, áudio-eletrônica e informática computacional). E pela ligação com outros grandes mundos culturais de fora das salas de concerto (como o cinema e música popular midiatizada, por exemplo).
Ou seja, apesar de toda a importância da música eletrônica para a música do século XX e do século XXI, ainda pode-se dizer que é um tipo de produção musical pouco conhecida. Precisa de espaços de discussão e de difusão. Precisa de garantias de acesso. Precisa de reflexão e formação de público.
E foi tudo isso que o ciclo organizado pelo professor Alvaro Borges trouxe para Curitiba. Algumas das melhores cabeças que pensam música no Brasil de hoje participaram. Vários destes músicos estão morando e trabalhando em Curitiba, o que talvez aponte para uma vocação da cidade como pólo no setor.
Eu não consegui assistir a maior parte dos concertos, mas fui a várias palestras.
Nas palestras aprendi sobre a orquestra de alto-falantes como conjunto instrumental típico da música eletroacústica, suas várias disposições espaciais e configurações, a função do difusor, alguns softwares utilizados.
Aprendi sobre o pensamento composicional e as referências artísticas de alguns compositores muito importantes. Sobre a psicologia da audição e as dificuldades que a música eletroacústica precisa superar por sua “desvantagem” em relação à teatralidade da música instrumental ao vivo. Sobre interações entre eletrônica e música instrumental. Sobre exploração de aspectos do som para muito além das antigas “propriedades musicais” que a gente aprendia nos manuais mofados de teoria musical (eu me lembro bem – eram “altura”, “intensidade”, “duração” e timbre – sendo as três primeiras “propriedades” passíveis de serem representadas na notação em pauta como foi feito por um milênio no Ocidente).
Aprendi um pouco sobre o desenvolvimento histórico da música eletroacústica. E desenvolvi um pouco das referências culturais necessárias para fruir esta música. Pouco, por que teria desenvolvido muito mais se pudesse ter assistido a mais concertos.
Dos poucos que fui, foi especial para mim o concerto com difusão de Artur Rinaldi, no dia 5 de junho. As obras executadas, que foram criadas no período entre 1979 e 2005, privilegiaram a exploração das possibilidades do som, quase de forma didática. Ou pelo menos o concerto foi bem estruturado para ser didático para um público pouco acostumado com eletroacústica como eu. Mas o mais interessante não foi a minha percepção do concerto, e sim o fato de que levei minha filha de 10 anos para assistir comigo. Eu provavelmente não levaria, não fosse pelo fato de que o professor Alvaro Borges me disse explicitamente: “leve tua filha no concerto, ela vai gostar”. Dito e feito, ela ouviu quase tudo de olhos fechados, e ficava o tempo todo cochichando no meu ouvido as imagens mentais suscitadas por todos aqueles sons. E como as crianças ainda não aprenderam a soterrar a imaginação com tanta racionalidade como nós adultos nos acostumamos fazer, ela realmente aproveitou muito o concerto. Foi marcante pra mim ver isso.
Outro concerto que foi muito especial foi o que teve a obra Ciclo Mítico, de Alvaro Borges, com difusão do próprio. Assim como no concerto de Artur Rinaldi, este também foi bastante didático, com as explicações sobre a música, processos de composição, elementos desenvolvidos. E principalmente, muita conversa com o público (sempre pequeno), antes, durante e depois das peças.
E aí entra na parte mais importante de todo o ciclo, e também de todo o trabalho que o professor Alvaro Borges vem desenvolvendo na nossa universidade e na nossa cidade, desde que chegou aqui como professor em 2012.
É o interesse que a música eletroacústica vem despertando nos alunos, abrindo horizontes inusitados para novos trabalhos. Isso ficou evidente durantes as bancas de TCC do curso de Bacharelado em Música Popular, pois dos 9 alunos que defenderam trabalhos este ano, todos ótimos e aprovados com elogios, tivemos dois trabalhos que foram especificamente de composição eletroacústica, em ambos desenvolvendo formas de interação entre música popular e vanguarda, música instrumental e música eletrônica.
O primeiro foi o trabalho de Gabrielly Schimidt, partindo de um disco que Os Tápes gravaram em 1975, misturando regionalismo gaúcho, tradição indígena, música latino-americana e engajamento. De uma das músicas do disco, Gabrielly tirou as referências para criar a obra Dança no manantial, estreada no concerto de 28/11. (Tem o disco completo no youtube, não coloco o link aqui porque o blog puxa o vídeo automaticamente para o meio do post – basta procurar no google)
Outro foi o trabalho de Pedro Lima, que pegou referências do minimalismo de Steve Reich e desenvolveu duas composições com sonoridades do House das discotecas da Chicago dos anos 1980.
Então é isso, o ciclo cumpriu cabalmente a missão de um evento desse tipo. Instigou e inspirou um monte de gente, e nos deixou com vontade de que aconteçam novos ciclos, e que a coisa toda não pare mais.
A programação completa que foi realizada, e os créditos de todos os envolvidos na programação está em pdf neste link.
As fotos que ilustram o post estão em baixa qualidade porque foram tiradas pelo autor deste texto, com um aparelho celular, durante as palestras e concertos.
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