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Capa da edição da Record
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Capa da edição da Record

Capa da edição da Record

Número Zero é o último livro de Umberto Eco, que acabou de ser lançado no Brasil pela Record, em tradução de Ivone Benedetti.

Por coincidência foi no início deste ano que li, e comentei aqui no blog, o ótimo Cemitério de Praga. No livro anterior, Eco escreveu uma história da intriga política no século XIX, com inúmeras teorias da conspiração a respeito de complôs judaico maçons para acabar com as sagradas monarquias – todos calcados em documentos forjados e obviamente falsos. Neste livro, como disse na minha resenha, Eco faz magistralmente aquilo que se tornou a marca dos seus romances: escreve livros de história, muito bem feita história, concatenando tudo com personagens de ficção.

Trata-se novamente disso em Número Zero, talvez de maneira não tão aprofundada como no livro anterior. A começar pelo tamanho do texto. Cemitério de Praga eu li em versão kindle, não sei quantas páginas tinha, mas eram muitas. Precisei de mais de uma semana de férias para fazer a leitura. Número Zero é mais curto, e a escrita bem mais fluída. São 207 páginas nesta edição – leitura de um fim de semana.

A história (real) por trás da ficção é a do conluio dos serviços secretos ocidentais para impedir um avanço comunista na Europa do pós-guerra. O braço italiano da operação foi chamado de Operação Gladio. Em toda a Europa, as operações serviram-se dos inestimáveis préstimos de profissionais da repressão nazifascistas remanescentes da guerra, que passaram a atuar como infiltrados e organizando assassinatos e atentados forjados.

No livro de Eco essa história vem embalada no trabalho de um grupo de jornalistas de segunda linha reunidos na redação de um jornal que não seria necessariamente publicado. O Amanhã, seria impresso em alguns exemplares número zero, apenas para mostrar que suas investigações jornalísticas poderiam render constrangimentos a pessoas poderosas. Com essas ameaças, o financiador do jornal esperava obter um lugar melhor entre os poderosos, uma vez que dinheiro para tal ele já possuía, faltava-lhe apenas o status reconhecido.

Com os personagens de ficção, Umberto Eco joga na lama a imprensa moderna, eviscerando suas práticas de manipulação da informação e do público leitor. Quem lê as conversas da redação do falso jornal Amanhã, vê os dilemas da imprensa escrita dos anos 1990, que precisa lidar com a perda de importância diante da televisão (fichinha perto do que aconteceria na era da internet). As maneiras de lidar com isso parecem ter sido as piores possíveis, do ponto de vista da qualidade jornalística.

Em meio a isso, um personagem inusitado, o tal Bragadoccio, revela-se um louco varrido imaginando as piores teorias da conspiração. No fim, tudo que ele conta para seu colega Colonna descobre-se ser a mais pura verdade. Talvez a única exceção seja a suspeição de que o homem morto por partisans em 28 de abril de 1945 não fosse o verdadeiro Mussolini, mas um sósia. Entretanto, todas as intrigas e suspeições lançadas sobre quem fuzilou o Duce e por quais motivos (essas discussões aconteceram realmente na Itália) são bem recuperadas nas falas alucinadas de Bragadoccio.

Em Número Zero temos novamente Umberto Eco mobilizando sua vasta cultura erudita e histórica, lidando com aspectos da teoria da comunicação, da linguagem e da recepção, criticando a cultura de massas e a nossa eterna pretensão de acreditar em falsidades úteis. A Europa que sobra retratada nos livros de Eco não é exatamente o paraíso da civilização e da cultura que querem nos vender, mas um mundo de gente disposta a emprestar sua credulidade às piores mentiras desde que isso sirva para garantir uma certa tranquilidade social.

Talvez a obra de ficção de Umberto Eco possa ser reduzida a um único bordão: a inconveniência da verdade histórica.

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