George Tiller era um dos poucos médicos que realizavam aborto tardio nos EUA. Fazia tudo de acordo com a lei do Kansas, onde vivia, mas se tornou um alvo óbvio do movimento antiaborto. Óbvio porque, na cabeça desse pessoal, ele estava há 30 anos assassinando futuros cidadãos americanos. No programa de Bill O´Reilly, era constantemente chamado de “o matador de bebês”. Ou “Tiller, the killer”.
No último domingo, enquanto entregava o boletim do culto daquela manhã na porta da Igreja, Tiller foi assassinado. Ele já havia sido vítima de outros atentados: em 1993, levou um tiro em cada braço; em 1986, seu consultório foi alvo de uma bomba.
Agora, tem muita gente relacionando a retórica inflamada de O´Reilly e cia e a morte do médico. Em alguns casos, relacionando é eufemismo: o apresentador da Fox News chega a parecer culpado pelo assassinato.
Em teoria da comunicação, muito se estuda sobre o poder da mídia de influenciar sua audiência. Cá no nosso quintal, tome o exemplo do deputado Carli Filho. Não tivesse a história ganhado tanta atenção, seria razoável imaginar que ele não teria renunciado – ainda que a renúncia não tenha sido tão custosa quanto aparenta.
Ideias têm poder, sim, mas culpar a mídia pelo o que aconteceu com o médico americano é ignorar completamente o valor da responsabilidade individual. Scott Philip Roeder, o homem que puxou o gatilho, o fez deliberadamente. Sem dúvida que experiências passadas contribuiram para essa decisão. Mas se esse raciocínio fizesse sentido perante a justiça, quem acabaria presa seria a mãe de Roeder — culpada última pela sua existência (deveria ter abortado :D). As influências sobre Roeder e como ele se tornou o que é podem até render um bom estudo para sociólogos e psicólogos, mas não mudam em nada o que ele fez.
No fundo, parece que culpar os comentários incendiários de porta-vozes de grupos antiaborto pela morte de Tiller tem mais a ver com o desejo de calar a boca dessa turma do que de fato entender o que aconteceu. Certamente não ajuda em nada a causa do movimento pró-escolha, porque não resolve o problema — pró-vida continuarão a militar em defesa do que acreditam. Fico com os libertários da Reason:
“Tentar restringir o discurso de um apresentador na base de que poderia inflamar os espectadores a fazer algo terrível é um insulto a todos nós, pois somos tratados pouco melhor do que cães de ataque que ouvem “ordens” e depois as cumprem. E tentar restringir discursos na base de que podem influenciar um ou dois loucos solitários a fazer algo terrível seria transformar a sociedade no equivalente a um manicômio, onde todo mundo observa o que diz e controla o tom de voz para não dar a impressão errada a um maluco.”
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