O meu vizinho de blog Márcio Campos escreveu um texto para esclarecer alguns pontos sobre o atual imbróglio envolvendo a Igreja Católica. O rapaz entende do assunto, e sua visão do acontecimento se distingue do que tenho lido por aí. O texto começa depois da foto. Vale a pena ler.
O Breno, dono do blog, me pediu para escrever sobre toda a celeuma envolvendo o Vaticano nesses últimos dias. Esta é a minha avaliação sobre os acontecimentos, e deixo claro que é uma opinião totalmente pessoal, não tendo nada a ver com a Gazeta ou com a visão que o Breno tenha dos fatos.
A palavra da moda, graças aos ataques israelenses contra os terroristas do Hamas, é “desproporcional”. Parece que o Papa Bento XVI é a vítima da vez da “desproporcionalidade”, com a diferença de que a opinião pública mundial está contra ele, quando no caso dos palestinos estava a favor deles. E, para mim, a opinião pública mundial está errada nos dois casos. Vamos então esclarecer algumas coisas sobre o episódio do bispo revisionista Richard Williamson.
1. Williamson não foi reabilitado por ser revisionista, assim como não foi excomungado por causa disso. O motivo da excomunhão foi a ordenação ilícita que os quatro bispos receberam em 1988. O Papa decidiu perdoá-los dessa violação da autoridade papal, e seria ilógico que o perdão não atingisse o grupo todo.
2. O ultimato da Secretaria de Estado do Vaticano não tem nada a ver com a excomunhão. Williamson não será “des-desexcomungado” caso não se retrate das afirmações feitas à televisão sueca. A nota do Vaticano diz “O bispo Williamson, para ser admitido às funções episcopais na Igreja, deverá também tomar de modo absolutamente inequívoco e público distância de suas posturas sobre a Shoá”, e alguns veículos de comunicação entenderam que “ser admitido às funções episcopais na Igreja” tinha a ver com o fim da excomunhão. Então vamos a algumas sutilezas canônicas que, embora meio chatas, são indispensáveis para entender o que está acontecendo – e convenhamos: os jornalistas que estão acompanhando o caso não entendem o que está acontecendo.
O levantamento da excomunhão significa que a partir de agora os quatro bispos podem receber os sacramentos. Mas eles continuam suspensos, ou seja, não podem celebrar os sacramentos – pelo menos não licitamente. A revogação desta suspensão, a concessão de títulos (quando os bispos se tornarão bispos de algum lugar, ainda que de uma diocese extinta), o restabelecimento canônico da Sociedade São Pio X – que foi extinta na década de 70, ou seja, hoje ela existe clandestinamente –, tudo isso são passos que ainda estão por vir, e é deles que Williamson pode ficar de fora se não mudar sua postura. Ser revisionista é idiotice, mas não é heresia nem cisma – ninguém pode ser excomungado por causa disso.
3. Angela Merkel precisa aprender a usar o Google. Na terça-feira ela exigiu que o Papa esclarecesse sua posição sobre o Holocausto. Como se Bento XVI já não tivesse feito isso na quarta-feira da semana passada, durante a audiência geral, em Colônia, em Auschwitz… aliás, o porta-voz do Vaticano teve a caridade de lembrar a chanceler desses pronunciamentos anteriores.
4. Definitivamente estão dando ao caso uma proporção que ele não tem. Como me disse semana passada o presidente da Federação Israelita do Paraná, Williamson não é ninguém na ordem do dia. É um bispo sem poder nenhum que até há alguns dias estava fora da Igreja. O que importa, disse, é o que o Papa diz e faz, e nesse sentido Bento XVI já deixou claro o que pensa sobre o Holocausto. No entanto, o episódio serve de pretexto para todo tipo de adversário do Papa pular em cima: desde os anticatólicos costumeiros até os teólogos “progressistas” como Hans Küng, que chegou a pedir a renúncia do Papa, passando por bispos e padres que não suportam a liturgia tradicional que a SSPX defende e que o Papa liberou universalmente em 2007. Mesmo um rabino, Irwin Kula, escreveu no Washington Post considerando que a reação da comunidade judaica já está passando dos limites.
5. O caso não tem nada a ver com infalibilidade papal, ao contrário do que pensa o Arnaldo Jabor. A infalibilidade não se aplica a todos os atos de um pontífice – basta ver o Catecismo da Igreja Católica, pontos 888 a 892. Da mesma forma, questionamentos do tipo “mas João Paulo II excomungou, e agora Bento XVI reabilitou, então um dos dois estava errado?” não fazem sentido. João Paulo II declarou a excomunhão (que na verdade é automática, segundo o direito canônico) porque os seis envolvidos (Lefebvre, Castro Mayer e os quatro ordenados) cometeram uma infração grave; Bento XVI os reabilitou porque julgou chegar a hora do perdão.
6. Apesar disso tudo, a Igreja podia ter lidado melhor com o caso, como comentou comigo o Breno. Nisso ele tem apoio forte, do vaticanista Sandro Magister, que escreveu um texto mostrando como a Cúria deixou o Papa sozinho e mal-assessorado nessa história.
Resumindo, é lamentável que o episódio tenha se transformado num vale-tudo contra Bento XVI, envolvendo interesses que vão muito além de colocar um bispo revisionista em seu devido lugar.
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