Na quarta-feira, estive no Palácio das Araucárias para acompanhar o encontro entre o governador Roberto Requião e o presidente do Paraguai, Fernando Lugo. Da reunião, saiu essa matéria. Nos comentários, algumas pessoas argumentam que Solano López não foi um ditador.
Vejamos o que diz o historiador Francisco Doratioto, autor do excelente “Maldita Guerra”, que, segundo Boris Fausto, é “um marco em nossa historiografia”. Doratioto concedeu uma entrevista (só para assinantes) para o Caderno Mais!, da Folha, em 18 de maio deste ano. Segue alguns trechos:
FOLHA – Quem foi Solano López?
DORATIOTO – Solano López foi um ditador. Evidentemente, uma guerra não é decidida apenas por um homem. Como diz [o filósofo, 1883-1955] Ortega y Gasset, o homem é ele mesmo e suas circunstâncias.
Se não houvesse uma situação regional delicada, cheia de contradições, um homem sozinho não desencadearia uma guerra desse tamanho.
Ao mesmo tempo, a história acontece com um homem: alguém toma uma decisão numa circunstância tensa de fazer ou não a guerra. E quem tomou essa decisão foi López.
Ele invadiu o Brasil, invadiu a Argentina. López foi um ditador que sacrificou o seu povo: o soldado paraguaio foi muito valente na guerra, lutou valorosamente, realmente os paraguaios acreditavam que sua independência estivesse ameaçada, por isso resistiram até o final com López.
Eles se convenceram de seu discurso, porque também não havia outro, nunca existiram jornais no Paraguai, não chegavam informações do estrangeiro. Então, acreditavam que realmente seriam massacrados e o Paraguai deixaria de existir como país. Foram vítimas da guerra.
Agora, Solano López foi um tirano sanguinário, e não um antiimperialista.
(…)
FOLHA – O presidente eleito do Paraguai, Fernando Lugo, venceu com o discurso segundo o qual seu país é vítima do Brasil, sobretudo em Itaipu. O sr. acha que a história da guerra será reacesa nessa nova Presidência?
DORATIOTO – Há alguns meses, já existe um refortalecimento desse setor revisionista paraguaio, de culto a Solano López [1826-70, líder do país na guerra]. É bom ressaltar que o culto a López tem origem no século 19, algo que explico em “Maldita Guerra”, por interesses econômicos, mas se torna ideologia oficial do Estado com a ditadura do Alfredo Stroessner. É a extrema direita paraguaia que faz o culto do Solano López. O ditador do passado justificando o ditador do presente.
Em alguns países da América Latina, como no Brasil, foi feita uma leitura pela esquerda autoritária, elogiosa também de Solano López. E é exatamente isto: apologia do autoritarismo.
Com a democratização no Paraguai, isso entrou no ostracismo, mas agora está sendo retomado. Mas, por outro lado, há grandes intelectuais paraguaios que criticam a figura do ditador e as ditaduras. Esse passado autoritário cria um peso que dificulta, nos planos cultural e de pensamento político, a construção da democracia no Paraguai.
FOLHA – O sr. já viu alguma declaração de Lugo sobre Solano López?
DORATIOTO – Nunca vi, não sei qual é sua opinião. Agora, temos a da presidente da Argentina, Cristina Kirchner, que deu o nome de Francisco Solano López a um batalhão de artilharia do país. É impressionante.
Os Kirchner são herdeiros de um movimento de esquerda, os Montoneros, dessa esquerda que sempre fez apologia de López. Mas pode ter feito por interesses geopolíticos, para ganhar a simpatia paraguaia, ou por desconhecimento de causa.
Recentemente, o senador Cristovam Buarque [PDT-DF], que foi ministro da Educação, falou que o Brasil cometeu um genocídio na guerra [do Paraguai]. É um desconhecimento absoluto, fruto de leituras de 30 anos atrás e nunca mais atualizadas.
FOLHA – O presidente Hugo Chávez felicitou a vitória de Lugo evocando Solano López.
DORATIOTO – Não vi, mas não me surpreende. O viés populista autoritário de Chávez é perfeitamente coerente com esse elogio.
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