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Um relato de quem pegou a gripe


Meu colega e professor durante a faculdade Fabio Marchioro, hoje residente no Canadá, pegou a gripe suína. A Gazeta publicou na edição desta terça um relato dele sobre como foram os dias com a doença. Por causa de espaço, o texto foi editado, mas segue aqui na íntegra:

Maldita Porcina

Minha esposa disse: “Vamos para o hospital”? E eu, virando de lado e puxando as cobertas: “Amanhã”. Ela: “Fabio, isto é sério”. Eu: “Amanhã. Depois do almoço”. Ela: “Vou chamar o médico”. Eu, depois de um acesso de tosse seguido daquele gemido pré-desencarne: “Amanhã, depois do almoço, se eu não melhorar a gente vai. Prometo”. Não fui. Melhorei.

Apesar de estarmos morando no Canadá e de já termos enfrentado variações bruscas de temperatura, nevascas e temperaturas de -25º C com sensação térmica de -35º C por causa do vento, nunca tivemos problemas. Sou curitibano e para mim gripe não é novidade. Mas desta vez foi diferente. Minha gripe não era uma gripe. Era “a” gripe. Desta vez ela tinha nome, sobrenome, código e até apelido: Gripe Suína, Influenza A, H1N1, Gripe da Epidemia, Gripe da Pandemia (mais recentemente) e como ficou conhecida lá em casa: aquela praga dos infernos.

Ela é matreira. Começa devagarzinho: um espirro, incômodo na garganta e aquela pontadinha na cabeça. Você pensa: acho que me resfriei. No final da tarde, delirando por causa da febre, você conclui que a única explicação para o que está sentindo é que foi atropelado por um gigantesco caminhão de cimento. Depois de mais algumas horas você jura que o caminhão era um monstro na forma de um leitão.

Em seres humanos, os sintomas de gripe A (H1N1), já presente em 74 países, são semelhantes aos das gripes comuns: calafrios, febre, garganta dolorida, dores musculares, coriza, dor de cabeça, tosse, espirros, fraqueza e aquilo que se convencionou chamar de “desconforto geral” que, naquele início de noite, soava para mim como o mais desbotado eufemismo.

O governo Canadense anunciou em todos os possíveis meios de comunicação que, ao sentir os sintomas, ao contrário do que seria de se esperar, as pessoas não devem ir a um hospital. Devem, sim, ficar em casa. Isto porque é o único meio de se evitar a transmissão do vírus. Estranhei o fato até o momento em que li as estatísticas: a maioria dos infectados no Canadá são profissionais da área de saúde. No caso de uma pandemia severa, estes são os profissionais que devem estar preparados para enfrentar a crise. Se estiverem em casa com gripe, suína, aviária ou de qualquer outra espécie, não poderão desempenhar suas funções. Como conseqüência, mais gente morre.

Segui a recomendação: fiquei em casa. Lembra do comercial? Recomendava certo produto e cama. Como aqui não existe o tal produto, que não adiantava mesmo, tomei um descongestionante “genérico” e hibernei por três dias. O final do terceiro dia marcou minha páscoa: ressuscitei.

Os números da pandemia são ainda muito fluídos. É como estar no alto de um edifício durante uma tempestade e querer acompanhar um único pingo de água na sua queda até o chão. Quando parece que a situação está estabilizando surge um novo foco da doença, descobre-se que o desenvolvimento da vacina vai demorar mais do que o esperado e a Organização Mundial de Saúde muda o nível do alerta mundial. A propósito estamos no nível 6, o mais grave.

Esta “instabilidade” ocorre porque existem, grosseiramente, três grupos de afetados. A maioria acaba não precisando de nenhum tratamento especial e estes casos não entram nas estatísticas. Estas pessoas, como eu, ficam entocados em casa, repousam, tomam a canjinha da esposa (ou mamãe) e safam-se sem maiores conseqüências.

O segundo grupo passa dias, até duas semanas como se estivessem “encubando” uma típica gripe curitibana. A diferença é que quando a porciúncula resolve colocar as patinhas de fora, o coitado do cristão tem que ir para o hospital, porque o quadro é agravado por vômitos, diarréia e tonturas que, como fica óbvio, pioram em muito o “desconforto geral”.

Já o terceiro grupo é apressadinho: os primeiros sintomas já são acompanhados de diarréia, desorientação, febre alta e, em questão de dias (documentou-se caso de horas), a pessoa tem que ser internada ou acabará falecendo.

Pandemia

A noção de pandemia é muito simples – algo que afeta muitos países ao mesmo tempo, que é geral, uma epidemia que afeta uma vasta área ou grandes números da população. No Canadá o plano para enfrentar a gripe suína existe desde 1986 e a versão atualizada de 2006 está disponível para download no site do ministério da saúde para quem tiver interesse em ler suas 550 páginas.

O relatório cobre todas as eventualidades. Caso ocorra o pior e uma pandemia de “leve a moderada” tome conta do país, estima-se que 10 milhões de canadenses serão infectados (em torno de um terço da população), 138.000 serão hospitalizadas e 58.000 morrerão. No caso de uma “pandemia severa”, o número de mortes deverá ser de mais de 700.000 pessoas.

O governo aqui no Canadá está tão preparado que foram realizados estudos e já se sabe o tipo de prateleira de madeira que terá de ser adaptada para que caminhões frigoríficos de supermercados sejam convertidos em necrotérios temporários até que possam ser cavadas as covas coletivas ou sejam preparadas as piras para cremação dos cadáveres. Tudo foi pensado.

E no Brasil: “Não foi possível distribuir os panfletos antes porque nós estávamos adaptando o material que existia sobre gripe aviária. Além do mais, temos que imprimir poucos panfletos por vez porque as informações mudam o tempo todo”, explicou Gerson Pena, Secretário de Vigilância em Saúde.

Há algumas semanas estavam distribuindo aquelas máscaras cirúrgicas azuis nos aeroportos internacionais. No entanto, apenas para os passageiros que vinham de países que já haviam declarado muitos casos da doença. Perguntaram para a Ministra da Saúde do Canadá, Leona Aglukkaq, se iriam distribuir as máscaras para a população: “Por que? Não são eficientes para conter o vírus. Servem somente para criar uma falsa sensação de segurança”.

As recomendações: sempre que chegar em casa lave as mãos com sabonete e água bem quente esfregando vigorosamente por pelo menos 30 segundos. Alternativamente, use álcool em gel. Quando for tossir ou espirrar, em casa ou em lugares públicos, cubra a boca e o nariz. Use, de preferência, lenço de papel. Se na hora daquele inesperado e explosivo espirro você não tiver um lenço, apesar de parecer coisa de terceiro mundo, curve o braço sobre o rosto e use como anteparo a dobra entre o braço e o antebraço.

Jamais use as mãos. A tendência é que, se você estiver no metrô ou ônibus, depois de “espirrar na mão”, vai acabar tocando nas barras de segurança, nos corrimões de escadas e até mesmo em outras pessoas, espalhando o vírus.

Quer forma mais simples de evitar a gripe suína? Seja educado e lave as mãos. Todos à sua volta ficarão agradecidos. Menos, claro, a maldita.

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