Assembleia de professores sindicalizados no Paraná.| Foto: Gazeta do Povo
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Líderes desonestos, autoritários e predadores são novidade na história da humanidade? Não. De forma nenhuma. Desde o tempo das cavernas, nossa espécie vive dominada por lideranças pouco afeitas a compartilhar poder e que usam de marketing sofisticado e historinhas para nos fazer crer que não podemos viver longe de seu comando. Em séculos mais recentes, essas lideranças passaram a controlar praticamente todos os aspectos das vidas de seus súditos amoitadas em uma geringonça chamada estado, mas há algumas dezenas de décadas, fomos levados a crer que o poder que comanda essa máquina emana de nós, o povo. Não emana, né xentche? “O estado sou eu” e meus parças: democracia não existe.

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Antes de minha explicação sobre política educacional, conto como surgiu meu horror à esquerda.

Na minha experiência e estritamente pensando no caso brasileiro, o asco e o pavor pelo tipo de pessoas, profissionais e políticos que chupinham o estado em suas várias instâncias e tratam quem paga a conta como seres inferiores tiveram início ainda na faculdade. Não falo do corruptozinho de balcão ou do funcionário padrão preguiça – também infames –, mas de um tipo particular de predador que ocupa posições de caráter público: aquele que é estratégico, que almeja a tomada de poder e que usa descaradamente a combinação de desonestidade intelectual com a opressão de opositores para destruir as instituições supostamente democráticas por dentro. Considero apropriado denominar esse tipo de gente de “esquerda", ou de “extrema esquerda”, se, para seus intentos, utilizarem de violência (os doutos colegas de Gazeta fiquem à vontade para corrigir meu avanço em sua área).

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Ainda na graduação na UFRJ, no finalzinho dos anos 1980, período que costumamos chamar de redemocratização, duas professoras transferidas de outras federais do Nordeste com o intuito claro (hoje é fácil de compreender isso) de se apoderar do departamento e afastar os professores realmente competentes de alta produção científica, utilizaram os mesmos ataques que a extrema esquerda usa hoje: insinuaram que representantes de uma fundação alemã que financiava algumas pesquisas eram nazistas, rapidamente logrando acabar com os recursos de seus “inimigos”. Além disso, faltavam a compromissos com os alunos e descaradamente aproveitavam-se das aulas para fazer preleção política explícita. Ou seja, testemunhei a apropriação de uma estrutura estatal por pessoas que só queriam mesmo ocupar o espaço de poder, sem preocupar-se nem com as aulas que deveriam dar, nem com o avanço da ciência sustentado com dinheiro do contribuinte que deveriam promover.

É importante chamar atenção de que essas pessoas vinham do Nordeste, pois o espírito de capitania hereditária jamais desencarnou das almas das elites dessa parte do país: manda quem pode, obedece quem tem juízo! Como relatou muito bem Victor Leal em seu livro “Coronelismo, Enxada e Voto”, apropriar-se do estado foi um caminho natural para herdeiros de terras que produziam e valiam cada vez menos para sustentar suas famílias numerosas. Juízes, delegados (os tais coronéis), todo tipo de cargo de estado com poder e remuneração tornou-se interessante para os morgadinhos empobrecidos, hoje, a classe média alta da região. O autor também explicou, de forma muito apropriada, que esse esquemão funcionava melhor se a população permanecesse analfabeta (afinal, o acesso aos cargos públicos dependia de educação e alnalfabeto em geral não se mobiliza para reclamar). Portanto, temos que ter atenção para as lideranças que cresceram nesse tipo de contexto, pois é dele que emanam suas crenças sobre o estado.

Testemunhei a apropriação de uma estrutura estatal por pessoas que só queriam mesmo ocupar o espaço de poder, sem preocupar-se nem com as aulas que deveriam dar, nem com o avanço da ciência sustentado com dinheiro do contribuinte que deveriam promover

Então vamos a um exemplo de como esse domínio das estruturas públicas para interesses restritos e fisiológicos combinado com a manutenção da ignorância do povo funciona nos dias de hoje e se projeta nesse “novo” governo, que abre espaço relevante a protoautoritários de mentalidade coronelista.

A nova estrutura de nosso Ministério da Educação, como meus leitores já sabem, foi estipulada pelo decreto 11.342/ de 1/1/23 e acabou com a Secretaria de Alfabetização (o que deve matar por inanição as ações e políticas criadas com o que há de mais atual na abordagem preventiva e curativa dessa vergonhosa mazela nacional, entre elas uma que o Governo de Portugal pediu autorização para utilizar dada a qualidade de seu desenho e por ter sido idealizada por técnicos dos dois países) e com os programas de escolas cívico-militares, altamente demandados pela população e um dos clássicos da literatura de política educacional que aponta que ambientes mais disciplinados e organizados são mais propícios ao aprendizado. Não satisfeitos, pois a sofreguidão pelo poder desta vez vem turbinada por senso de urgência, editaram novo decreto (11.378 de 11/1/23) no qual aparece uma interessante alteração digna de explicação de minha parte.

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A estrutura lulística original do ministério continha quase os mesmos nomes da anterior bolsonarística: Educação Básica, Educação Profissional e Tecnológica, Educação Superior, Regulação e Supervisão da Educação Superior, Articulação com os Sistemas de Ensino, mas houve o retorno retumbante da famosa SECADI dos governos petistas anteriores, a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão – que ficou no lugar da Secretaria de Alfabetização. Mas, como se sabe, o tinhoso habita nos pormenores e a tal Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino teve as suas Diretorias reduzidas nesse novo decreto de três para duas: Participação Social, Cooperação e Planos de Educação e Articulação com os Sistemas de Ensino. É o detalhe dessa alteração que gostaria de explicar aos meus caros gazetores.

Essa nova estrutura, que está sob supervisão direta do Gabinete do Ministro é "apenas" responsável por:

"I - auxiliar os estados, o distrito federal e os Municípios na elaboração dos seus respectivos planos de educação; II - desenvolver, em conjunto com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, indicadores de resultados e padrões de avaliação da implementação dos planos de educação; III - acompanhar e monitorar a implementação dos planos de educação nos Estados e Municípios e orientar quanto à necessidade de ajustes e correções; IV - propor o aperfeiçoamento dos instrumentos jurídicos de cooperação federativa e V - exercer as funções de secretaria-executiva do Fórum Nacional de Educação –FNE" (lembram do artigo sobre o PNE?, então, esse FNE é essencial na sua formulação e é praticamente todo dominado pelos sindicalistas de universidades e de entes subnacionais).

A subpasta reformada, contudo, também terá outras atribuições. De acordo com o novo decreto, passará a:

I - apoiar os sistemas de ensino na formulação, no acompanhamento e na avaliação democrática, com diálogo social, de planos nacionais, estaduais, distrital e municipais de educação; II - prestar assistência técnica aos sistemas de ensino para a formulação de normas a partir de diretrizes e orientações nacionais sobre participação social e gestão democrática, articuladas no sistema nacional de educação; III - apoiar e estimular o funcionamento dos conselhos, dos fóruns e das instâncias colegiadas nos sistemas de ensino no âmbito da União, do Distrito Federal, dos Estados edos Municípios; IV - planejar e coordenar processos de chamamento público para identificação e disseminação de experiências de participação social e gestão democrática na educação.

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Só de ler, já tremo: instrumentos claros de dominação política das bases – controle social é só quando os migos têm voz -; alocação de militância (afinal, fizeram “o diabo” para eleger o chefe) em sovietes – gestão democrática apenas vale quando certas pessoas dominam conselhos e afins –; controle da implementação da agenda sindicalista em detrimento das aspirações mais amplas da sociedade por meio de chamamento público –; adivinhem quem atende a esse tipo de chamado e quais as experiências serão consideradas válidas!

Nossa Constituição (Art 211) diz que, na educação, a União deve exercer função redistributiva e supletiva mediante assistência técnica e financeira aos entes subnacionais e a nossa Lei de Diretrizes e Bases em seu Art 8º reforça que essa cooperação e coordenação intergovernamental se dá por meio de função normativa, redistributiva e supletiva e de assistência técnica e financeira, além das avaliações de abrangência nacional (Saeb, Enem e as internacionais, como o Pisa). O que as palavras de ordem inseridas nas novas funções do ministério indicam é que sua atuação vai tentar forçar goela abaixo dos entes subnacionais os mecanismos essenciais para a esquerda florescer: propagar a agenda do caos ideológico que já conhecemos, operar como os coronéis do início do século XX na ocupação máxima de cargos e espaço de poder e na manutenção da população na mais cabal ignorância para aumentar o seu “controle social” sobre o povo.

Além disso, já que o “estado é meu” mesmo e dos meus sócios, as já campeãs nacionais da educação devem receber mais uma mãozinha do FIES e fornecedores em geral devem estar sonhando com os novos recursos para a prioridade das escolas em tempo integral. Não é que valeu a pena mesmo fazer o diabo para ganhar as eleições, ajudar as pessoas certas e trabalhar para convencer que o oponente era genonazicista?