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Quem me acompanha aqui nesta Gazeta já entendeu que a educação no Brasil é de qualidade muito baixa, e que a tragédia afeta todas as classes sociais. É verdade que os menos pobres aprendem mais que os mais pobres. Quando comparamos o desempenho escolar e os níveis socioeconômicos dos alunos das escolas brasileiras aos dos seus pares asiáticos e europeus (não necessariamente de renda per capita tão mais alta que a nossa, como os russos), percebe-se que nossas opções históricas por não educar o nosso povão resultaram também em um tiro pela culatra para nossa elite.
Aproveitando que o assunto BRICS voltou aos trending topics, pensemos um pouco, a partir de uma conta de padaria: apenas entre Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, como você acha que o desempenho dos alunos de 10%, 5% ou 1% de maior renda em cada um desses países se compara aos dos brasileiros de mesmo nível social em matemática, capacidade de se comunicar em inglês e em resiliência para resolver problemas complexos? Mesmo se considerarmos apenas a Rússia e a África do Sul, que contam com populações menores que a nossa (Brasil, 210 milhões; Rússia, 143 milhões e África do Sul, 59 milhões), basta 0,5% de top performers para cada coorte escolar de aproximadamente 1% da população de cada um desses dois países, e já temos cerca de 10 mil de pessoas por ano, seja para abocanhar os melhores empregos e oportunidades pelo mundo, seja para transformar seus próprios países.
Agora, sem conta aproximada, mas olhando os dados do Pisa de 2018 para a China (apenas as quatro maiores metrópoles participantes), que conta com uma coorte etária de 15 anos de aproximadamente um milhão de jovens (nessas cidades!), podemos estimar uma “produção” de mais de 470 mil jovens de alta performance, independente da renda, pois são aqueles que, ao fazerem a prova do Pisa, tiveram desempenho entre os níveis 5 e 6. A Índia não participa do exame.
Quando comparamos o desempenho escolar e os níveis socioeconômicos dos alunos das escolas brasileiras aos dos seus pares asiáticos e europeus, percebemos que nossas opções históricas por não educar o nosso povão resultaram também em um tiro pela culatra para nossa elite.
Basta darmos uma olhada nos nomes mais famosos de médicos, acadêmicos e de CEOs de grandes empresas multinacionais, e veremos que nosso país é um grande avestruz em termos de formação de capital humano de alto desempenho em escala global.
Estrutura e disciplina
"Ok", dirá o leitor, "mas eu gasto uma fortuna na escola maravilhosa do meu filho e o estou salvando desse ostracismo profissional." Ah, é?! Então vejamos alguns critérios para escolher instituições de ensino que ensinem seus filhos a pensar.
A escola do seu filho tem uma arquitetura super arrojada e parece um Buddah-Bar mirim, ou a suada mensalidade que você vai pagar é usada para limitar o número de alunos que um professor supervisiona e instrui? Muitas escolas ditas de elite “investem” em campi com cara de clube, mas deixam seus demônios aos montes para cada professor, tornando o trabalho didático-pedagógico uma tarefa quase impossível. Esqueça as firulas e foque no número de alunos por turma ou por professor. Isto é algo que importa, e muito: principalmente se os alunos não forem os comportadinhos asiáticos, e se os seus pais ameaçarem a direção das escolas com disputas judiciais a cada bronca que levam.
Esse segundo ponto é particularmente importante porque o ambiente acadêmico e propício ao estudo já foi largamente descrito na literatura como sendo essencial ao bom aprendizado. O populacho instintivamente já sabe disso, e por isso adora a ideia das escolas cívico-militares que a esquerda menospreza. Mas a elite acha que os pitos e punições são só para os outros, pois seus filhos “são apenas crianças” e “pensam fora da caixa”. Se quer que seu filho cresça e apareça no mundo dos adultos, procure uma escola rígida com disciplina e regras, que sempre devem valer para todos, inclusive para os mais ricos. Portanto, vejam quem são as outras famílias que frequentam a escola. Pais durões e carrascos são ótima companhia. Principalmente no ambiente altamente permissivo de nosso país.
Atividades extracurriculares
Vimos a estrutura sóbria e a disciplina rígida. Agora vamos às atividades extracurriculares: esportes, música e teatro são as mais importantes. Não para você se exibir no Insta, mas para que seu filho aprenda a seguir regras, persistir nos treinos, nas práticas e nos decorebas, e para que seja desafiado a dar o seu melhor. A escola não pode tomar a opção pela mediocridade como caminho, disfarçando com a lorota da inclusão e da busca pela autoestima. Quanto maior a escola e o contingente de alunos, maior é o desafio de expor todos os alunos a cada uma dessas atividades com nível de exigência alto, mas é preciso ficar claro que, embora todos possam treinar, praticar e atuar, só joga no time, faz apresentações e performances públicas quem é bom no que faz. Meritocracia e competição com fair play são muito importantes para desenvolver um adulto saudável.
Alunos que precisam de atenção especial devem recebê-la para que cada um possa desenvolver seu potencial, mas solidariedade e espírito de bem comum devem conviver bem com a busca pela auto-superação e competitividade. Há técnica e ciência para isso, além de escolas especializadas de variadas atividades onde seus filhos podem aprendem música, esportes, artes e afins com mais atenção.
Biblioteca e laboratório
A biblioteca provavelmente é a parte mais negligenciada das escolas brasileiras. Seus dirigentes acham que o bacana é indicar para leitura (sem grandes análises) os livros mais vendidos nas últimas bienais. Até pode ser divertido que alunos e professores apresentem resenhas públicas de livros aleatórios, façam clubes de leitura e outras atividades que complementem o esquema sério de desenvolvimento estruturado de compreensão de textos complexos e de formação de cultura que toda escola tem que ter. Entretanto, cada instituição deverá fazer uma seleção permanente de livros com textos cada vez mais complexos e desafiantes em termos gramaticais, lexicais e temáticos para cada ano, sendo a maior parte deles composta por livros clássicos, que sobreviveram o escrutínio de gerações anteriores. Idealmente, cada escola deveria ter um acervo permanente com essas obras gerais em quantidade suficiente para trabalhá-las em conjunto com uma turma (a qual, também idealmente, jamais poderia ter mais que 20 alunos no ensino fundamental) e, em menor número, aquelas que não são usualmente estudadas em conjunto. A partir desse acervo, de critérios claros, da capacidade de análise literária de seu corpo técnico (a qual, no meu mundo escolar ideal, deveria ser alta), cada instituição escolheria a sua bibliografia dentro do contexto local: livros da cultura ocidental, autores típicos para alguns gêneros textuais, livros particularmente importantes para mergulhar em outras culturas e obras de âmbito mais regional ou local. Não sei se é possível encontrar uma escola assim no Brasil.
Se quer que seu filho cresça e apareça no mundo dos adultos, procure uma escola rígida com disciplina e regras, que sempre devem valer para todos, inclusive para os mais ricos.
Os laboratórios também são importantes. Suas experiências práticas têm a qualidade de fazer os alunos ligarem o abstrato das teorias que precisam dominar à maneira como elas se materializam na realidade, mesmo que apenas experimentalmente.
O currículo é o essencial
Deixei o essencial para o final e agora voltamos ao centro do que constitui uma escola eficaz, que meus doutos leitores já conhecem: currículo, livros didáticos, avaliação e formação docente. Como esses itens não estão disponíveis no Brasil em qualidade de padrão internacional, permanece minha sugestão de que a escola forme uma base de apoio com currículos e materiais importados. Temos que ensinar o medíocre e as maluquices para os alunos que desejarem possam se sair bem no ENEM e em outras provas locais, mas se quisermos que tornem-se adultos não apenas mais competitivos no mercado de trabalho, mas com maior capacidade de gerir suas vidas e adquirir estabilidade emocional, é preciso exigir mais de nossas escolas, tentar descobrir algumas que esteja mais à frente, ou fazer um bom homeschooling – este, muito mais difícil que se imagina.