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Ilona Becskeházy

Ilona Becskeházy

Saber avaliar é inerente à função de ensinar

(Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

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Finalmente consigo retomar a série sobre os quatro elementos essenciais para desenhar uma política educacional - pública, privada ou individual - efetiva. Vamos relembrar alguns pontos. Primeiro, "ensino efetivo" (efetividade escolar ou school effectiveness, no original da linguagem acadêmica em inglês) é o nome que se dá ao "fenômeno" em que todos ou praticamente todos os alunos de um contexto de ensino - em geral escola - aprendem o que foi proposto. E os quatro pilares da efetividade escolar (ou da educação domiciliar, comunitária e até empresarial) são: currículo claro (quanto mais ambicioso, melhor); livros didáticos de qualidade que apresentam conceitos, explicações e tarefas para treino e verificação do aprendizado proposto; avaliação permanente desse aprendizado, por meio de atividades que induzam o aluno a performar - de preferência, individualmente - a habilidade específica que se quer observar; e construção de capacidade didática, mais popularmente conhecida como formação docente (como se apenas os docentes pudessem ser os instrutores).

Mas vamos lá, porque vocês precisam aprender como é que se faz educação a sério, já que a esquerda que retoma o poder agora não vai fazer nada disso e ainda convencerá a todos, como o fez até hoje, de que o problema é falta de grana, falta de revolução social porque pobre não aprende, falta de grana, falta de recursos, falta de bufunfa, desigualdade social, porque falta distribuição forçada de renda e não produtividade, porque isso é coisa de liberal chauvinista patriarcal e por que falta grana e modess para as meninas assistirem aula. Agora vai faltar também tablets para todos. Confuso, não? Mas depois dessas frases de efeito, até você já estará abrindo a carteira de bom grado...

Então, fiquem preparados porque quando a revolução chegar e todos comerem picanha, os professores andarem em jatinhos de amigos e todas as pessoas nas escolas segurarem em suas mãos um tablet, nossos alunos saberão tanto português e tanta matemática quanto os chineses. Ah, peraí! A Polícia Federal bateu ali na porta e me avisa que Português e Matemática são conceitos burgueses que deixam os interlocutores ficarem confusos e estressados e que as crianças precisam mesmo é aprender que propriedade rural tem que ser expropriada se não tiver função social e desenvolver o senso crítico (apenas em relação a quem cogita criticar o governo, porque o governo - que eles dominam - é perfeito e achar defeitos alí é antissocial).

Passada a digressão sobre o contexto, vamos tentar entender, como deveria ser a progressão de prendizagem, com base em como já é feita em países desenvolvidos e como já foi implementado nos que se desenvolveram mais recentemente, como os asiáticos.

Lá vamos nós novamente para a chatice dos exemplos específicos, porque, sem eles, não é possível formar uma imagem mental do que preciso explicar.

Então, fiquem preparados porque quando a revolução chegar e todos comerem picanha, os professores andarem em jatinhos de amigos e todas as pessoas nas escolas segurarem em suas mãos um tablet, nossos alunos saberão tanto português e tanta matemática quanto os chineses

Em primeiro lugar, é preciso estar informado de que existe um conceito internacionalmente usado para ensinar e verificar a aprendizagem dos alunos - pois uma coisa não pode existir sem a outra - que foi aniquilado pelo estamento acadêmico revolucionário que domina a educação no Brasil: a Taxonomia de Bloom (ou outras decorrentes desta), a qual define o que é a hierarquia de objetivos de aprendizagem.

Para compreendê-lo bem é preciso ler o livro que lhe deu origem (esgotado em inglês ou português, mas disponível em inglês e a um custo escorchante, em sua revisão de Krathwohl), ou fazer uma busca na internet para sacar o básico: a lista de verbos observáveis que dão origem às atividades didáticas que os alunos devem fazer, tanto para treino durante o processo de aprendizagem, quanto para que o professor possa perceber se eles aprenderam ou não o que lhes foi ensinado.

Seguem duas aplicações dessa hierarquia: uma para compreensão de texto, outra para Aritmética.

Para compreender um texto, não basta conseguir lê-lo, mas retirar dele informações objetivas relevantes para, com elas, e com outras que já foram guardadas na caixola de cada um, refletir sobre questões variadas, para então formar seu próprio julgamento (pronto, já está entendido porque os doutos marxistas paulo freiristas odeiam Bloom et al.). Assim, quando se trabalha o texto da fábula conhecida como Chapeuzinho Vermelho, é preciso saber antes de mais nada se os leitores entenderam a história. Aí subimos o primeiro degrau da escala de Bloom: identificar informações explícitas no texto. Quem era a Chapeuzinho? Uma menina que morava em uma casa perto da floresta. O que sua mãe lhe mandou fazer? Levar uma cesta com alimentos para sua avó. Quem ela encontrou no caminho? O Lobo Mau. Só que esse tipo de pergunta apenas evidencia que os alunos conseguiram ler o texto. Um outro tipo de pergunta faz com que os alunos tenham que fazer inferências sobre o que leram, mas que as respostas não estão no texto: O que a mãe da menina estava fazendo antes de chamá-la para ir à casa da avó? Esta informação não aparece, mas é bem provável que estivesse preparando a cesta para mãe ou sogra. Por que o Lobo Mau deu uma indicação errada sobre o melhor caminho para a Chapeuzinho chegar na casa de sua avó? Para dar tempo de ele chegar lá antes dela e poder lhe armar uma cilada. Como que os caçadores conseguiram dominar e matar o Lobo Mau tão rápido? Porque faz parte do cotidiano deles e porque tinham armas (kkkk, essa é mega politicamente incorreta).

Mas a hierarquia de objetivos de aprendizagem ainda tem mais degraus (formalmente, seis): os alunos precisam, além de lembrar de elementos do texto e interpretá-los, aplicar o conhecimento que adquiriram (lembre-se de alguma vez que você desobedeceu a sua mãe: o que houve?); analisar elementos do texto e correlatos (como você sabe que o Lobo era mau?), avaliar (será que todas as pessoas feias - peludas e com dentes afiados - são más? e criar (escreva seu próprio texto sobre algo que aparece no texto como desobediência aos pais, pessoas más que enganam as outras, etc). Ao ver essa lista, imagino que os leitores possam estar pensando duas coisas: “nossa mãe! Nunca vi esses tipos de perguntas nos livros dos meus filhos” e “uau! Que delícia ler um texto e poder fazer todas essas perguntas junto com meus filhos ou alunos”. É exatamente esse mecanismo de tirar da cabeça de quem aprende reflexões cada vez mais complexas, que faz com que eles aprendam, passem a gostar de ler e desenvolvam autonomia de pensamento. Só que essas são capacidades cognitivas que deveriam estar sendo desenvolvidas nas escolas/famílias, mas que são muito temidas pelos intelectuais orgânicos gramscinianos: daí a campanha contra o homeschooling (ou qualquer alternativa às madrastas paulofreiristas) e a defesa irracional da BNCC (nosso suposto currículo nacional, que citou, mas não levou em conta, o preceito da hierarquia de aprendizagem).

Na Aritmética, aplica-se o mesmo princípio. Os alunos preciam dominar o conceito de valor posicional dos algaritmos na formação dos números para poderem armar e efetuar as quatro operações. Depois vão aplicar esse tipo de algoritmo em problemas simples que evoluem para mais complexos e com múltiplas etapas de cálculo. A partir daí passam a poder compreender propriedades conceituais que envolvem as quatro operações, como comutativa, distributiva, etc. E acabam por conseguir escrever expressões matemáticas de primeiro grau que lhes ajudam a compreender o mundo e resolver questões do dia a dia.

É exatamente esse mecanismo de tirar da cabeça de quem aprende reflexões cada vez mais complexas, que faz com que eles aprendam, passem a gostar de ler e desenvolvam autonomia de pensamento

As provas do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), por exemplo, não utilizam esse tipo de escala (dizem que sim, mas não usam) e, em seu lugar, puseram uma escala de lacração ideológica e decorebas inúteis. A famosa questão do Enem sobre um tal dialeto de pessoas trans não trazia nenhum nível de reflexão a partir de um texto, tanto como as famosas tirinhas da Mafalda e do Maurício de Sousa não são leitura de texto, mas de imagens. A forma de escolher textos e desenhar questões de prova de compreensão ou de raciocício matemático utilizada pelo INEP - autarquia ligada ao Ministério da Educação que tem exatamente essa função - é absolutamente equivocada.

Ensinar é avaliar e avaliar é ensinar. Sem que o professor possa observar os alunos trabalhando para saber o quê, do que foi ensinado ou apresentado a eles, já está consolidado em suas mentes e que pontos precisam ser repassados, treinados ou explicados de outra forma, não pode exercer sua função social (para usar bem um termo comum na esquerda). Sem saber o que, como e em que sequência avaliar não existe valorização dos docentes. A luta fica apenas para aumentar seus salários mesmo.

Conteúdo editado por: Jônatas Dias Lima

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