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Recentemente eu ministrei duas palestras que me fizeram pensar sobre uma questão muito importante em relação à inclusão da pessoa com deficiência: até que ponto é saudável para a pessoa e para a família desejar que a deficiência suma?

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Esse assunto foi de grande destaque durante um bate-papo que eu tive com profissionais do Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Crefito) e depois durante uma palestra que ministrei em Campo Grande – MS, em um encontro do Sesi para discutir a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho.

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O pessoal do Crefito me contou muitas histórias sobre como as famílias têm expectativas diferentes em relação ao atendimento oferecido por eles. A variação é muito grande e em cada casa a história muda completamente. Não é por menos, afinal, quando se trata de inclusão, a esperança não é formada por uma simples ideia. É o resultado de absolutamente tudo o que você acredita, ou não acredita e sonhou, ou não sonhou, em relação a trajetória de vida da pessoa que está sendo atendida. O único ponto em comum que encontramos em qualquer família é o fato da deficiência não ser muito bem-vinda.

Uma das histórias compartilhadas foi a de uma paciente de hidroterapia (em uma interpretação grosseira, é fisioterapia na água), que não conseguia realizar um determinado movimento. Depois de muito trabalho, ela conseguiu fazer o tal movimento e o atendimento caminhou para uma outra direção. Quando a mãe dessa menina viu a filha fazendo isso pela primeira vez, ficou muito feliz e foi em direção à água da piscina. Chegando à beira, colocou a mão na água e repetiu algumas vezes “essa água é milagrosa, gente”.

O que me fez pensar não foi a alegria da mãe em ver a filha progredir. Isso é fantástico, claro. Mas mais uma vez ouvi um caso em que a palavra “milagre” tem destaque no sentimento de quem espera por um resultado. Na minha opinião essa postura é um pouco deslocada, porque reforça a crença que temos de que a deficiência é uma doença e precisa ser eliminada da pessoa e deixa de lado todo o esforço feito por quem suou diariamente para que aquilo fosse conquistado.

Há um segundo caso que eu gosto muito de compartilhar. Tenho uma amiga que é mãe de um garoto de 16 anos com Síndrome de Williams e um dia ela comentou comigo como vê hoje as possibilidades educacionais dele. O rapaz estudou a vida toda em um colégio regular, viveu a inclusão dele dessa forma e agora está na idade de passar pelo Ensino Médio. A minha amiga conhece profundamente as limitações e possibilidades do filho e me contou que percebia que o Ensino Médio convencional não é compatível com a situação dele, então, a partir de agora, ele terá contato com outra metodologia de ensino.

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Eu nasci prematuro de seis meses, nunca andei e meus pais nunca cobraram isso de mim. O trabalho que fizemos em conjunto com muitos profissionais foi de progressão diária e conforme avançávamos, novas metas eram traçadas e sem a necessidade de alcançarmos a marcha sem apoios e com 100% de equilíbrio, por exemplo.

Por fim, essa semana soube da história de Jacob Barnett, um menino americano e autista que aos 14 anos está fazendo mestrado em física quântica e é apontado por alguns especialistas como o próximo vencedor do Nobel de Física. Quando li a matéria sobre Jacob, não me atentei às características do autismo, mas fui direto aos comentários que os leitores fizeram (e foram muitos).

A maioria cogitou a possibilidade do físico ter nascido no Brasil e teceu impressões do tipo “Aqui no Brasil seria diferente. Seria assim, ou seria assado…”. Eu achei isso interessante, porque ninguém falou em superação. Algumas pessoas questionaram a precisão do diagnóstico e de alguns depoimentos da mãe, que parecem contraditórios, mas ninguém disse que ele superou o autismo.

Juntando as histórias todas, eu penso mais uma vez em como a nossa cultura lida com a presença de barreiras em nossas vidas. No caso de pessoas com deficiência, percebo que temos uma tendência a querer que a barreira seja completamente eliminada e ainda carregamos um sentimento de que isso é um castigo, ou um fardo.

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É da nossa natureza projetar expectativas em relação à vida de outras pessoas, da mesma forma como é esperado que essas expectativas não sejam atendidas de maneira plena, ou de maneira nenhuma. Assumir que uma deficiência pode ser uma condição permanente não é fácil e requer muita coragem. Sem dúvidas, a ideia de convivermos com uma limitação relevante pelo resto de nossas vidas não é nada agradável.

Mas o que aconteceria se o nosso foco de dedicação, energia e fé fosse no alcance do máximo de autonomia e independência conquistado, ao invés de um estado autônomo que desejamos?

E se ao invés de eliminarmos a limitação, nós aprendermos com ela e ficarmos mais atentos à maneira como ela molda a nossa personalidade e forma de estar no mundo?

Como nós podemos transformar realidades aproveitando nossos limites?