• Carregando...

Esse vídeo está ficando muito famoso nas redes sociais e não é pra menos. É uma representação interessantíssima da ideia de “ponha-se no meu lugar”, porque é exatamente assim que um deficiente se sente quando vê uma pessoa usando a vaga exclusiva indevidamente. Eu garanto que os motoristas que viram uma cadeira na vaga pensaram “essa cadeira não pode estar aqui!” ou “tem uma porcaria de uma cadeira de rodas ocupando a vaga!”. Surpresa, meus caros: sempre tem uma porcaria de um carro ocupando a vaga exclusiva sem direito. E então? O que podemos fazer? Empurrar o carro, como aquela nobre moça faz no vídeo? Não. Ficamos com cara de tacho.

Tão impressionante quanto o vídeo é a história por trás dele. O que fez com que essa proposta fosse pensada?

A Mirella Prosdócimo é uma empresária de 37 anos, sócia da Adaptare, empresa de consultoria em inclusão de pessoas com deficiência. Aos 17 anos, Mirella sofreu um acidente de carro e perdeu a movimentação dos braços e pernas, portanto, locomove-se numa cadeira de rodas desde então e é acompanhada por alguém em todas as atividades diárias. Ela é a protagonista dessa história.

Mês passado, a Mirella saiu de um supermercado de Curitiba e enquanto esperava uma de suas auxiliares carregar o carro com as compras, viu uma motorista estacionar na vaga exclusiva. Momentos depois uma moça sem dificuldade alguma de locomoção desceu do automóvel e na sequência duas crianças pequenas, também sem problema nenhum nesse sentido, saíram do carro para acompanhar a mãe. Ao ver a cena, Mirella deu o alerta óbvio: “Minha senhora, essa vaga é exclusiva para pessoas com deficiência e você não pode parar aí”. Recebeu a resposta clássica: “É rapidinho. Vou comprar poucas coisas e já volto”. Foi ignorada.

Era então hora de testar outra coisa que pouca gente sabe como funciona. Afinal, quem fiscaliza os estacionamentos que dispõem de vagas exclusivas? Quem é que de fato toma medidas legais, caso a lei seja desrespeitada? Ninguém. Pelo menos naquele supermercado. A Mirella viu uma pessoa atropelar a lei e foi falar com o gerente do estabelecimento, que habilmente passou a responsabilidade à Diretoria de Trânsito (Diretran) afinal, esse é o órgão com autoridade para aplicar multas. É justo. Mas será que ele não poderia ao menos acionar as autoridades e contribuir para que isso não acontecesse? Sim, claro! Faz? Não.

Se o gerente não quiser chamar a Diretran, pode adotar uma medida mais leve, mas de igual eficácia. Contrate uma pessoa para observar o estacionamento e dar aquele alô amigo para as pessoas que possam ignorar a legislação e dar o bom e velho jeitinho brasileiro. Faz? Não.

Se você, caro gerente, for adotar essa medida, anote aí o meu alô amigo: certifique-se de que a pessoa de fato cumpre a função. Semana passada ao entrar em um estacionamento, o motorista do taxi no qual eu estava recebeu orientações milimétricas sobre onde ele poderia, ou não parar. Depois dessa seção, eu desci do taxi e vi que tinha um carro parado bloqueando a única guia rebaixada que dava acesso à farmácia onde eu precisava ir. Chamei o fiscal e comentei que se ele estava ali, não poderia deixar esse tipo de coisa acontecer. Ele se aproximou de mim, me olhou por cima dos óculos e disse “Você está vendo a quantidade de carros que tem aqui? Você acha que eu dou conta de tudo?”

Voltemos à Mirella. Vendo então que o supermercado não iria fazer nada por ela, resolveu pessoalmente acionar a Diretran e ficou esperando alguém chegar. Nesse meio tempo, a mamãe saudável voltou ao veículo e recebeu mais um alerta: “Que exemplo que a senhora está dando aos seus filhos, hein?” Essa frase provocou uma pausa repentina na moça, que teve o seu instinto materno aflorado e ofendido. Acionando então o seu lado bicho, a mãe se virou para Mirella e se defendeu, com toda a classe e elegância:

– Quem você pensa que é para falar dos meus filhos? Você não abra a boca para falar deles, senão eu te meto a mão na cara!

A mão que balança o berço foi se erguendo, ao mesmo tempo em que o tom de voz também, e a mulher em passos decididos caminhou em direção à ela, para dar mais um bom exemplo de civilidade aos seus filhos pequenos. Nesse momento, a confusão já estava sendo notada pelas pessoas e a medida em que a Mirella e a balzaquiana trocavam gritos, a auxiliar se aproximou da cadeira de rodas; uma segurança do supermercado se alertou e outros chegaram perto. A corajosa leoa se transformou em uma gatinha acuada e não teve escolha. Entrou no carro e saiu de fininho.

Mirella não foi embora imediatamente. Ficou por ali durante mais 20 minutos e testemunhou outras três pessoas usarem a vaga indevidamente. Ela foi ignorada duas vezes e quem tirou o carro o fez com medo de ser multado.

Um representante da Diretran não chegou a tempo. Chegou, mas depois que a Mirella foi embora.

Tempos depois, a empresária fez uma escolha extremamente assertiva: botou a boca no trombone, chamou a atenção para esse desfile de folga e desrespeito, ganhou aliados, deu entrevistas, mobilizou pessoas e lançou uma estupenda campanha de conscientização, chamada Esta vaga não é sua nem por um minuto!, que tem como uma das peças esse vídeo.

O sucesso da campanha é resultado do talento de pessoas que trabalharam nos materiais. A agência curitibana Getz é a responsável pela produção das peças.

Por vezes, eu visito a Mirella em seu escritório e tenho o privilégio de conversar com ela durante horas, para ouvir suas opiniões, saber de suas vivências, trocar ideias e refletir sobre inclusão. A atitude dela tem tudo a ver com a questão que eu levantei no texto Taxista desrespeita cadeirante em Curitiba e deve ser reconhecida, difundida e apoiada. Mirella, muito obrigado por esse exemplo que você protagoniza.

Saiba mais e apóie a campanha Esta vaga não é sua, nem por um minuto!, produzida pela Getz, acessando o perfil da campanha no Facebook.

#Enconte o jornalista Rafael Bonfim no Facebook. Clique aqui para acessar o perfil.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]