
- Tchau, mãe, vou dar uma volta na Praça da Sé e volto mais tarde!
- Tudo bem, filho, até logo. Vá com Deus!
Quem conhece minimamente o centro de São Paulo provavelmente pensou que a mãe poderia ter sido um pouco mais zelosa e dito algo mais assertivo, como: “Filho, não leve nada de valor!”, “Cuidado, olhe bem para os lados!”, “Ande rápido, não fique dando bobeira!”. Mas, e se disséssemos que o filho tem apenas 5 anos? Sem dúvida, afirmaríamos que essa mãe está sendo negligente ao deixar uma criança tão nova andar sozinha nessa região.
O exemplo é hipotético, mas situações semelhantes têm sido utilizadas para promover reflexões oportunas sobre o papel essencial da família na educação das crianças, especialmente no que se refere ao uso de celulares. Em outras palavras, o raciocínio é simples: você deixaria seu filho pequeno andar sozinho na Praça da Sé? Então, por que permitir que ele use o celular sozinho, expondo-se a conteúdos e realidades absolutamente inadequadas para sua idade?
Longe de queremos negligenciar os diversos desafios da criação de filhos na sociedade contemporânea (vida acelerada, falta de rede de apoio, desigualdades sociais, etc.), é razoável enxergarmos que algumas iniciativas estão mais ao nosso alcance
Considerando que, em 2025, debates cruciais como o Plano Nacional de Educação e o Sistema Nacional de Educação podem avançar na agenda pública, a recente Lei 15.100/2025 – que regulamenta o uso de celulares nas escolas – oferece uma oportunidade privilegiada para ampliarmos tais discussões e apontarmos com maior ênfase a relevância central das famílias na educação das novas gerações.
Afinal, a importância da pauta da parentalidade não se restringe a um partido, grupo ou ideologia. Um dos ministérios do governo anterior desenvolveu o Programa Reconecte, no qual promoveu o seminário A família e as Tecnologias Digitais. Já o governo atual, após a lei mencionada acima, lançou recentemente um Guia e realizou um Webinário dedicados exclusivamente ao assunto. Enfim, para além do contexto altamente polarizado em que vivemos, é interessante notar que há convergências significativas sobre a relevância do tema.
E o que precisa ser enfatizado? Um ponto de atenção é evitarmos cair em meros jargões como “parceria escola-família” sem indicar caminhos concretos de atuação. Por exemplo, uma possível frente de trabalho é a orientação sobre como a família pode impor limites aos filhos no uso das tecnologias como o celular.
A abordagem mencionada acima é válida e necessária, mas um fator primordial nessa discussão é promover iniciativas de educação dos próprios adultos. Afinal, são eles que convivem com as crianças quando elas estão fora da escola: em casa durante a semana, nos finais de semana e nas férias.
Portanto, precisamos dar destaque ao comportamento dos pais e responsáveis como exemplo inspirador fundamental para as crianças. Nesse sentido, uma pergunta fundamental é: como os próprios pais utilizam seus celulares? Ou ainda: como você, leitor deste artigo, utiliza o celular quando seus filhos estão presentes? No limite, há aqui uma discussão profunda sobre a saúde emocional e a inteligência social de cada um, virtudes cruciais para a formação de bons cidadãos que, por sua vez, são atores fundamentais para qualquer sociedade democrática vibrante.
Continuemos com outras perguntas provocativas, que tocam em pontos práticos de nossa rotina familiar. Como são as interações familiares em nossas casas? Concretamente, nas refeições, os celulares de cada um ficam visíveis à mesa ou – pior! – na mão das pessoas que o utilizam enquanto comem? Com isso, que tipo de sociabilidade estamos fomentando: pessoas que sabem dialogar, ouvir, contar boas histórias, olhar nos olhos ou pessoas fechadas em si, hipnotizadas por telas, inquietas, com dificuldade para perceber os outros? Ou seja, promover hábitos saudáveis em casa – como no caso das refeições – é uma iniciativa concreta, que pode fazer a diferença na educação dos filhos no que se refere ao uso adequado dos celulares.
Recentemente, ouvimos um relato preocupante que ilustra bem essa reflexão. Uma diretora de creche contou que não estava conseguindo alimentar as crianças que haviam acabado de ingressar na instituição. Na hora do lanche, elas choravam, esperneavam e se recusavam a comer. Uma auxiliar teve um insight: “Em casa, elas devem estar acostumadas a comer assistindo algo no celular, e aqui não têm isso!”. Para testar a hipótese, colocaram uma tela por um curto período, e voilà: as crianças passaram a comer tranquilamente. Infelizmente, a suspeita da auxiliar estava correta.
Após essa experiência, é claro que a solução encontrada pela diretora não foi proporcionar que as crianças novas da creche comessem em frente a uma tela de celular. Ficou patente que era prioritário conversar sobre o uso do celular – não a fim de recriminar, mas para orientar adequadamente – com as respectivas famílias, que estão prejudicando seus filhos com tais práticas em casa.
A refeição é apenas um dos contextos em relação ao qual podemos refletir sobre nossos hábitos. Podemos pensar nos momentos de encontro presencial entre pais e filhos, como na saída da escola ou ao chegar em casa; estamos presentes, olhando e conversando realmente com eles? Ou estamos imersos em nossos celulares, rolando infinitos feeds, distraídos, distantes, ansiosos a cada notificação?
Outra oportunidade são as saídas em família (aliás, se existirem, já é um bom ponto de partida): um piquenique no parque, um passeio de bicicleta ou um simples caminhar pelo quarteirão... Estamos ali plenamente ou vivemos 24 horas online, conversando com inúmeras pessoas que – por mais interessantes que sejam – não estão presentes naquele exato momento?
Enfim, longe de queremos negligenciar os diversos desafios da criação de filhos na sociedade contemporânea (vida acelerada, falta de rede de apoio, desigualdades sociais, etc.), é razoável enxergarmos que algumas iniciativas estão mais ao nosso alcance. Esperamos que os recentes debates públicos iluminem ainda mais a importância da parentalidade, ajudando a formar famílias mais preparadas para a educação consciente dos filhos no uso de celulares e em tantos outros aspectos essenciais para a educação dos futuros brasileiros.
Guilherme Melo de Freitas, cientista social e pedagogo, mestre em Sociologia e doutor em Educação, é gerente de educação do Instituto Sivis; Leticia Jacintho é presidente da Associação De Olho no Material Escolar, conselheira do NFA (Núcleo Feminino do Agronegócio) e do COSAG (Conselho Superior do Agronegócio) e faz parte da lista das 100 Mulheres da Forbes Agro.