Regimes democráticos fortes são marcados pela presença de critérios mínimos como eleições livres e justas e a garantia de direitos e liberdades civis, como a liberdade de expressão. Naturalmente, a democracia pode ter mais características que a fortalecem, como uma cultura democrática sólida. Mas sem esses elementos básicos para defini-la, não podemos chamar de democracia. Ressaltar isso é especialmente importante em tempos em que o regime tende a ser relativizado.
Dito isso, analisar tanto as diferenças entre democracias e regimes autoritários, quanto salientar as semelhanças de regimes autoritários pode nos dar insumo para evitar tentativas autoritárias em nossas próprias democracias. Observa-se ao longo da história que, na escalada de regimes autoritários, um dos primeiros direitos a ser sacrificado é o da liberdade de expressão, tanto da imprensa quanto da sociedade civil. Quando esse direito é atacado, mesmo que minimamente, tal fato merece nossa atenção redobrada.
Desafios para a democracia no ambiente digital
Atualmente, temos desafios em relação à liberdade de expressão no ambiente digital. Embora haja a presença de problemas legítimos amplificados pela tecnologia, como a desinformação e os discursos ofensivos, esses argumentos são frequentemente usados como pretexto por líderes autoritários para ampliar seu controle sobre o direito de expressão da população.
Experiências autoritárias em relação à liberdade de expressão
Nesse sentido, países autoritários como Rússia, Turquia e Venezuela utilizam leis que limitam a liberdade de expressão de forma abrangente, baseando-se em classificações genéricas como “conteúdo ilícito” para perseguir a oposição política. Na Rússia, uma lei de 2017 exige que plataformas removam conteúdos “ilegais” em 24 horas. Além disso, a divulgação de informações “falsas” sobre as Forças Armadas passou a ser punida com até 15 anos de prisão.
Na Turquia, a “Lei de Desinformação” foi aprovada sob a justificativa de combater o discurso de ódio, no entanto é utilizada como forma de controle da oposição política. Na Venezuela, a “Lei contra o Ódio” prevê até 20 anos de prisão para quem for acusado de promover “discurso de ódio”. A medida tem sido utilizada para perseguir jornalistas e opositores. Essas legislações permitem sanções severas sob justificativas vagas, facilitando o abuso de poder e o silenciamento de vozes críticas.
O caso do Brasil
A discussão sobre a regulamentação de conteúdos no ambiente digital também ganha força no Brasil. Argumentos para remover conteúdos com base em classificações amplas, como “conteúdos manifestamente ilícitos”, que não delimitam de forma específica e pontual quais conteúdos devem ser removidos, representam um grande problema.
Nesse contexto, há um debate sobre a constitucionalidade de alguns artigos do Marco Civil da Internet — lei criada com amplo apoio da sociedade civil e destinada a proteger a liberdade de expressão. Esse debate tem levantado alternativas para enfrentar com maior rigor problemas como desinformação e discursos ofensivos. Uma das propostas envolve aumentar a responsabilidade das plataformas digitais, exigindo que removam conteúdos ilícitos assim que publicados, sem necessidade de ordem judicial. No entanto, o que define exatamente um discurso ilícito? Sem definições claras, as plataformas podem incorrer no risco de realizarem indevidamente censura prévia de inúmeros conteúdos. Sem contar o potencial de restrições amplas serem utilizadas para minar a pluralidade de ideias no debate público.
Diante do histórico de países autoritários no que diz respeito à utilização de leis abrangentes para limitar a liberdade de expressão e abusar do poder, é preciso de muita atenção ao analisar o contexto brasileiro. Problemas como desinformação precisam ser enfrentados em uma democracia, mas, ao permitir que leis como essas ganhem mais força pode-se colocar o próprio direito à expressão em jogo. Os direitos e liberdades civis presentes em uma democracia servem para o bem-estar do cidadão e, sobretudo, para sua própria proteção de líderes autoritários.
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