Nossa democracia vive um impasse. Diante das transformações provocadas pela internet, ela deve superar uma série de desafios para amadurecer e se consolidar. Nesse contexto, devemos reconhecer: muitos dos problemas que ela enfrenta vem de uma cultura política profundamente marcada pela corrupção – que se encontra em toda parte, das instituições às relações sociais do dia a dia – e por vícios como a violência, a falta de diálogo e a ausência de confiança interpessoal. Este dilema só pode ser resolvido através de virtudes cívicas.
Não se pode encarar a democracia apenas como um sistema procedimental de regras e instituições. Ela requer uma cultura saudável que promova cidadãos comprometidos com as virtudes cívicas. Nesse contexto, é fundamental que os indivíduos desenvolvam virtudes que guiem o seu comportamento rumo ao bem comum. Entre elas, a moderação, honestidade, justiça e responsabilidade são essenciais para que nossa cultura democrática seja fortalecida.
Virtudes cívicas: Moderação para o debate público
A moderação é fundamental. Como virtude política, ela indica a disponibilidade de compartilhar a arena pública com o outro, medindo as próprias as palavras e se dispondo a ouvir as ideias alheias. É, em alguma medida, uma prática de autocontrole, que fortalece a qualidade do debate e permite que diferentes vozes sejam ouvidas e que os vários argumentos sejam avaliados de maneira justa.
Além disso, ela contribui para a construção de um ambiente de respeito mútuo, onde o foco não está na vitória, mas na busca conjunta por soluções. Em um cenário polarizado, ela pode ser a chave para reconstruir pontes e promover diálogos mais produtivos. É por isso que, nas palavras de Aurelian Craiutu, ela é “uma virtude para mentes corajosas”.
Cultivo da honestidade
Já o cultivo da honestidade está relacionado com o desenvolvimento de uma cultura democrática íntegra e transparente. Valorizar a honestidade, tanto no comportamento dos cidadãos quanto nas práticas dos líderes, cria um ambiente de confiança mútua, essencial para a participação ativa e informada no processo democrático. A transparência nas ações e nas informações oferecidas pelo governo permite que as pessoas façam escolhas conscientes, contribuindo para uma tomada de decisões mais justa e legítima.
Além disso, a honestidade tem um impacto direto nas relações sociais do dia a dia. Nas quais a confiança interpessoal pode fluir mais facilmente quando as pessoas agem de forma sincera e transparente. Essa confiança é um pilar importante para a coesão social, que, por sua vez, é essencial para a estabilidade de uma sociedade democrática. Quando as relações sociais se baseiam na honestidade, o senso de comunidade e de responsabilidade coletiva se fortalece. A partir disso, cria-se uma base sólida para a colaboração, o respeito às regras e o engajamento cívico.
A importância da justiça
Por sua vez, a justiça pode ser definida como dar a cada um o que lhe é devido. Isso é também fundamental: em nossas interações, ela nos leva a considerar as necessidades e os direitos dos outros. Seja no ambiente de trabalho, em família ou na comunidade, ser justo significa agir com equidade, ouvir todas as partes envolvidas e buscar soluções que beneficiem o coletivo. Assim, a justiça fortalece nossos laços sociais, promove a confiança e contribui para a construção de um ambiente mais harmonioso e cooperativo.
A democracia sem a prática das virtudes cívicas se transforma facilmente em demagogia. É por isso que hoje, mais do que nunca, é importante cultivá-las. Daí a centralidade de uma educação política que as leve em conta para o futuro de nosso país.
Sara Clem é analista de pesquisa do Instituto Sivis. Graduada em Relações Internacionais pela Universidade Positivo e mestranda em Ciência Política pela UFPR; Bernardo Brandão é mestre e doutor em Filosofia pela UFMG. Foi professor na PUC-Minas, UFOP e UFPR. Atualmente, é professor de Língua e Literatura Grega Antiga na UFMG.
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