O Atlético deve apresentar ainda esta semana seus dois novos meias, o colombiano Daniel Hernández e o argentino Fernando Barrientos. Duas apostas do mercado sul-americano para resolver a carência de camisas 10 na equipe. Buscar essa solução no exterior faz todo o sentido, tanto técnica como financeiramente. Embora exija alguns cuidados que o Atlético precisa ter tomado na contração e outros ao menos no começo da trajetória da dupla.
Camisa 10: todo mundo quer um, quase ninguém tem
O lamento mais frequente dos clubes brasileiros em 2015 é a falta de dinheiro. O segundo é a falta de um camisa 10. Todos procuram aquele meia capaz de envergar o número místico e tirar da cartola um passe que resolva os jogos mais difíceis.
Sem entrar no aspecto tático da busca (o futebol hoje é mais propício a você ter um armador recuado do que próximo à área adversária), dá para contar nos dedos quem tem um camisa 10 daqueles que bailavam no Maracanã diante das lentes do Canal 100. O Inter tem D’Alessandro, o Grêmio tem Douglas, o Corinthians tem Jadson (que funciona melhor mais pelo lado), o São Paulo tem Ganso (que não funciona) e a coisa meio que para por aí. A maioria se bate adaptando meias-atacantes, armadores de lado de campo ou camisas 10 que até têm a característica, mas não o futebol esperado.
O drama se estende à seleção brasileira. Na Copa, o número 10 foi de Neymar e a função, em tese, de Oscar, que jogava muito mais pelo lado do campo e desarmando. Phillipe Coutinho ganhou espaço depois do Mundial, porém é um meia de lado de campo. Willian, idem.
Algo até natural. Na Europa, em regra, o correspondente ao (finado) 10 brasileiro joga à frente da zaga (Pirlo, Schweinsteiger). Lá, nossos meias viram atacantes ou wingers (como os citados Coutinho, Oscar e Willian). E nossos volantes viram jogadores de carregar a bola (Fernandinho, por exemplo).
Esse é o cenário brasileiro. O do continente é diferente. A Argentina tem muito forte a cultura do enganche, o camisa 10 que liga o meio-campo ao ataque. Também tem bem forte a cultura do volante com capacidade de armar o jogo. E é a cultura futebolística argentina que dita como a maioria dos países sul-americanos jogam, seja por ter treinadores espalhados pelo continente, seja por ter jogadores espalhados pelo continente.
A Colômbia está nesse raio de ação. O técnico da seleção colombiana é um argentino. A seleção colombiana tem dois meias com o perfil clássico do 10: James Rodríguez e Juan Quintero. No Real, James joga em outra função. Modric e Kroos são os principais responsáveis pela armação. Quintero era, até outro dia, sonho de consumo de Luxemburgo para acabar com a falta de um camisa 10 no Cruzeiro. As opções são mais fartas no mercado sul-americano simplesmente porque estes países mantém a cultura de formar jogadores com essa característica.
Os gringos são mais baratos. Isso é culpa da economia
Após a entrevista coletiva sobre a MP do Futebol promovida pelo Bom Senso FC, Mario Celso Petraglia explicou à Gazeta do Povo sobre o motivo de o Atlético estar revirando o mercado sul-americano atrás de um “Diez”: “O Brasil não tem [camisa 10 disponível]. Todos os clubes estão atrás. E os que têm e que jogam um pouco valem dois dígitos de euros. Então temos de tentar buscar em algum mercado que não cobre tão caro.”
A parte técnica eu destaquei logo acima. A financeira vem a seguir. Para um clube europeu, é mais barato buscar um jogador na América do Sul ou na África porque sua economia é mais forte que a sul-americana ou a africana. Se o jogador for contratado ainda jovem, o negócio sai muito mais barato.
A mesma lógica vale dentro do continente. A economia brasileira é mais forte que a dos vizinhos. Claro, não na mesma proporção que Europa-América ou Europa-África. Mas forte o suficiente para criar um abismo no futebol.
Em 2014, o Boca Juniors faturou R$ 23,7 milhões em patrocínios e fornecimento de material esportivo, além de R$ 14,3 milhões de direitos de transmissão. São R$ 37 milhões nas duas modalidades. Isso o Boca, maior clube da Argentina.
O Atlético ganhou R$ 35 milhões só da TV pelo Brasileiro – fora o pague-pra-ver. Da Caixa foram mais R$ 6 milhões. No Brasil, um time de fora do grupo dos 12 mais tradicionais fatura o mesmo que o maior time da Argentina.
Isso se reflete em salários. Na Argentina, uma casta restrita recebe US$ 50 mil ou mais. Isso para jogar por Boca, River. Por aqui, Walter fatura o mesmo no Atlético. Kléber Gladiador, um pouco mais no Coritiba.
A mesma lógica se estende ao valor de transferências. O Atlético gastou US$ 750 mil por 50% de Barrientos e US$ 100 mil pelo empréstimo de Hernández. Gastou menos de R$ 3 milhões com a dupla, precisará de menos de R$ 150 mil mensais para bancar o salário de ambos.
Pelo mesmo custo, dificilmente conseguiria coisa melhor no Brasil. E – especialmente no caso de Barrientos – faz um investimento moderado capaz de virar lucro alto na revenda para a Europa.
Como sempre, há uma dose de risco
Listei acima o que faz da vinda de Barrientos e Hernández uma boa aposta técnica e financeira. Como em qualquer negócio, há algumas cascas de banana. O visitante mais antigo vai lembrar que publiquei aqui, no começo do ano, seis perguntas que seu time deveria fazer antes de contratar um sul-americano. Para facilitar a vida de quem não quer clicar no link nem saber das explicações, listo as perguntas.
1- Eu posso dar o tempo necessário de adaptação ao jogador?
2 – Se esse cara é tão bom, por que não está na Europa?
3 – Meu departamento de futebol observou esse cara direito?
4 – Não estou contratando esse cara só porque ele tem raça?
5 – Não estou contratando esse cara só porque ele fala espanhol?
6 – Não tenho um jogador melhor na base?
As perguntas 2, 3, 4 e 5 devem ter sido respondidas na busca pelos jogadores. O Atlético tem um departamento responsável por captar informações dos possíveis reforços. Foi o DIF quem elaborou a lista de mais de 20 nomes, da qual o Atlético pinçou Barrientos e Hernández.
Também é o controle do departamento de futebol que diz o quanto o Atlético pode encontrar suas soluções nas categorias de base. A solução poderia ser Nathan, que acabou indo para o Chelsea (digo, Vitesse).
A primeira pergunta é a que exigirá maior paciência. Qualquer mudança de país exige um tempo de adaptação. A cultura é diferente, tanto fora do clube como dentro; tanto no vestiário como no gramado. O jogador sempre acaba tendo de ficar longe dos lugares que gosta, de algum amigo ou parente próximo, do tempero que o faz se alimentar melhor. Para alguns, superar a mudança é fácil. Para outros, leva tempo (seis meses é um prazo razoável). E para outro grupo, simplesmente não rola a adaptação àquele país ou cidade.
Esse caminho terá de ser percorrido com o campeonato em andamento e o torcedor querendo saber se o tal camisa 10 é mesmo tão bom quanto se espera. A paciência externa beira o zero – e, especialmente do torcedor, é complicado cobrar que seja diferente. Dentro do clube, precisa ser na dose certa, sem queimar etapas nem se acomodar achando que qualquer dificuldade será resolvida com o tempo. Se acertar esta medida – e se tiver cumprido os pré-requisitos antes de contratar -, o Atlético terá grande chance de fazer apostas funcionarem tão bem na prática como indica a teoria.