A democratização da CBF e a violência no futebol são as próximas pautas do Bom Senso. (Foto: Reprodução/ Facebook)| Foto:
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A poucos dias de completar um ano – o marco zero foi em 1º de setembro de 2013 , o Bom Senso FC vive seu momento de primeiras conquistas concretas. A ampliação da discussão sobre a Lei de Responsabilidade Fiscal no Esporte (LRFE) abriu espaço para a inclusão das emendas propostas pelo coletivo de jogadores e impôs aos dirigentes uma rara derrota política. Vitória histórica acompanhada a distância, mas de maneira ativa e cautelosa por um dos principais personagens do movimento.

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Jogando na China desde janeiro, o zagueiro Paulo André tornou-se um crítico mais contundente da desorganização administrativa do futebol brasileiro. Com um calendário mais racional no incipiente futebol chinês, o jogador que defendeu o Atlético entre 2005 e 2006 tem mais tempo para estudar a gestão dos cartolas nacionais, elaborar soluções e embasar suas opiniões. É com essa base mais sólida que, em entrevista por e-mail, ele diz que a absorção parcial das propostas do Bom Senso será a perpetuação da cultura do jeitinho. E se for assim, melhor não refinanciar a dívida dos clubes.

Conseguir ampliar o tempo de discussão da Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte foi a grande vitória nesse primeiro ano de Bom Senso?

Podemos dizer que foi um gol. A partida ainda é longa e vai exigir muito empenho e dedicação de todos os que estão trabalhando a favor de uma gestão mais responsável no futebol. Apesar de acreditarem que o BS perdeu força depois da minha saída, o movimento conseguiu grandes avanços em diversas frentes. O seminário para a apresentação das nossas propostas, as audiências com a presidente Dilma, a elevação do nível de discussão acerca da necessidade da mudança do calendário e da implantação do jogo limpo financeiro são belas jogadas do grupo nesta partida que está longe do fim.

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O ministério do Esporte fala em chegar a um meio termo entre o texto do Otavio Leite e as emendas propostas pelo Bom Senso. O movimento se contenta com a absorção parcial das ideias? Das dez emendas que o Bom Senso propõe, o que você considera indispensável entrar?

O formato que se desenha corrobora com a cultura brasileira do jeitinho, do puxadinho. Os problemas da gestão no futebol são tantos que mesmo com aprovação das dez demandas propostas pelo BS, haverá muito trabalho pela frente. É preciso elevar o nível técnico das decisões dentro do futebol e capacitar os gestores para que entremos num ciclo virtuoso. Nenhuma emenda sozinha resolverá o problema. É a soma dos fatores que fechará o cerco contra as recorrentes gestões temerárias no futebol. Então, para ser bem sincero, se não for para incluir o projeto como um todo, é melhor não oferecer o parcelamento da dívida fiscal aos clubes. E olha que não estamos falando da dívida trabalhista já tramitada, das S/As, etc…

 

Considerando um cenário ideal para o Bom Senso, que seria a incorporação total das propostas, ainda assim essas medidas seriam implementadas em um futebol administrado por quem o administra hoje. Em quanto tempo, nesse cenário ideal, é possível uma depuração, para que realmente o futebol brasileiro esteja nas mãos de gente séria?

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Apesar de entender que, se a LRFE for aprovada como a defendemos, teremos a médio prazo tomadores de decisão mais preparados dentro dos clubes, o nosso maior problema continuará sendo o modelo jurídico das instituições esportivas, que foram forjadas na década de 40 durante o Estado Novo de Getúlio Vargas. Este formato cerceia o profissionalismo, ao não permitir profissionais remunerados nos cargos diretivos. Além disso, outro grande problema é que mesmo que a gestão dos clubes melhore, ainda não encontramos uma solução para que a gestão do futebol brasileiro, feita pelas federações e pela CBF, encontre seu caminho. Eles se escoram na autonomia financeira e estatutária de que trata o art. 217, inciso I, da Constituição. As decisões são sempre políticas, nunca técnicas. Os atletas, treinadores, executivos e torcedores não tem voz,  estamos no século 21 e podemos dizer que a democracia ainda não chegou ao esporte brasileiro.

 

Você está fora do Brasil desde o início do ano. Em que essa distância física do futebol brasileiro te ajuda e em que atrapalha ao analisar a situação, ao ver quais passos precisam ser dados na gestão do nosso futebol?

Com a internet e as redes sociais, fica fácil acompanhar tudo. Por ter mais tempo livre, joga-se menos aqui, eu tenho tempo para estudar, pensar e entender quais são as forças e os movimentos de cada um dos segmentos que atuam no futebol. Acho que isso tem feito com que eu me posicione com mais conteúdo e, às vezes, até com mais veemência. Não porque estou do outro lado do mundo e não tenho medo de represálias (quando joguei no Corinthians, cansei de discutir publicamente com o Marin, Marco Polo e até Eurico Miranda), mas porque o cenário é caótico e as trapalhadas se multiplicam a cada semana.

 

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A China é um país que apresenta uma urbanização absurda, mas ao mesmo tempo tem muita gente vivendo uma vida quase medieval nas zonas rurais; tem tecnologia de ponta e incentivo absurdo à pesquisa, mas também muito sub-emprego. Como viver em um país tão singular tem enriquecido a sua visão tanto do futebol como da vida?

A experiência e o aprendizado são enriquecedores. Ao mesmo tempo não é fácil e o choque de cultura é diário. Não há um dia que voce não se encontre em uma situação inusitada ou problemática. Mas vale a pena. A China é a economia que mais cresce no mundo nas últimas décadas, não só por causa da sua gigantesca população, mas principalmente pela centralização do poder. Há muitas desvantagens nesse modelo que parecem não ser percebidas pelos chineses, mas que são facilmente notadas por nós estrangeiros. De qualquer forma é muito mais fácil atingir crescimento econômico assim. As principais cidades se desenvolveram, se ocidentalizaram, mas ainda guardam ranços da “Terra do Meio” ou “centro do mundo”, como chamam os chineses. Só que a cada vez que eu viajo para o interior da China para jogar, especialmente na direção oposta à costa oriental, percebo que a China tem uma longa trajetória para diminuir a desigualdade social e a qualidade de vida do povo. Como tudo aqui é desproporcional para os nossos parâmetros, 150 milhões de chineses vivem abaixo da linha da pobreza.

 

O que o futebol chinês, em termos de estrutura e organização, pode ensinar ao futebol brasileiro?

Nada.

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A CBF anunciou um calendário com pré-temporada um pouco maior que o normal, 25 dias, mas ainda assim abaixo dos 30 pedidos pelo Bom Senso. Tem futebol parado em data Fifa, mas não todas. Esse calendário é uma vitória do Bom Senso? Ou serve mais à TV, que não faz questão de futebol em janeiro?

O Bom Senso se pronunciou brilhantemente por meio de uma nota oficial. Perdemos de 7  a 1 e tem gente (CBF e federações) comemorando o gol de honra. 25 dias de pré temporada não resolveram o problema de ninguém e ainda atrapalhou mais ou pequenos. O calendário é uma porcaria e a vitória é única e exclusivamente da TV. O Bom Senso nunca propôs nada pela metade. Há uma complexidade na composição do calendário, não dá pra fazer puxadinhos. Enquanto os interesses de quem decide forem mais importantes do que as questões ténicas no desenvolvimento do futebol (em todas as suas dimensões), continuaremos andando para trás. O calendário não foi reestruturado, foi apenas espremido e os clubes jogarão praticamente a mesma quantidade em menos dias. Qualquer reestruturação significativa do calendário trataria de resolver a suas maiores deficiências: a escassez de jogos dos clubes do interior e as datas Fifa concomitantes com os jogos dos clubes nacionais. Todos perdem com isso. Só que ninguém quer enfrentar a TV, nem a CBF.

 

A Luciana Genro disse que você é o ministro do Esporte dela. O Trajano falou que você deveria ser presidente da CBF. Quando voltar ao Brasil, você imagina que será para exercer algum cargo fora de campo ou você volta para jogar ainda?

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Eu fico orgulhoso, principalmente por se tratarem de pessoas de conduta ilibada, que lutam por um futebol e por um país mais justo. Confesso que ainda não fiz planos para a aposentadoria. Amo o esporte, acredito e sou prova viva do seu poder como ferramenta de integração social e educação. O meu livro tem esse tema como pano de fundo. Mas ainda é cedo, acabei de completar 31 anos e tenho mais alguns anos para jogar futebol.

 

Uruguai, Argentina e Inglaterra têm associações de jogadores muito sólidas e muito tradicionais. Você mantém contato com jogadores desses países, dessas entidades, para trocar a experiência brasileira do Bom Senso com o que eles fazem?

Não. As pessoas confundem o BS com luta de classe. Nós não existimos para defender a categoria, nós nos unimos para defender o futebol brasileiro. Quem cuida da categoria é o sindicato. E como ninguém está cuidando do futebol brasileiro, seja por falta de conhecimento, de interesse ou de coragem, atletas de renome, da elite, sem muito a perder com a exposição e a confrontação, resolveram se unir e criar o Bom Senso, cujo o slogan é: Por um futebol melhor para todos. Não só para os atletas. Para todos. Quando defendemos o fairplay financeiro sabemos que, uma vez implantado, a gastança desmesurada acabará e o primeiro impacto será a redução dos valores dos contratos de trabalho. E mesmo assim defendemos tal prática. Quando falamos do calendário, por exemplo, não queremos menos horas de trabalho semanal, pois continuaremos a treinar nos dias em que não jogarmos. Queremos a mudança porque sabemos que essa medida é necessária para elevar o nível do jogo, oferecer um melhor espetáculo ao público, a TV e aos patrocinadores que colocam muito dinheiro no futebol e não tem tido o retorno que esperam. O preconceito impede as pessoas de verem isso.

 

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Se a LRFE for aprovada em um formato que agrade os jogadores, quais serão as próximas bandeiras do Bom Senso?

A Democratização da CBF é a principal delas. Os clubes das séries B e C  têm de ter direito voto e participação na assembleia geral, assim como os atletas e treinadores registrados na entidade. Outra bandeira que é urgente é o combate a violência no futebol (apesar de estar relacionado a um problema social do país) e trazer o público de volta aos estádios. E já estamos discutindo e entendendo quais são as maiores reclamações dos clubes e dos torcedores para que os atletas também reformulem relações e atitudes que não fortalecem, em nada, o futebol brasileiro. Também temos culpa no cartório e precisamos dar o primeiro passo como exemplo aos demais segmentos.