A Holanda é o país das bicicletas e suas cidades o paraíso do ciclismo urbano. Mas quem (como eu) não tem a possibilidade de dar suas pedaladas em Amsterdã, Utrech e Eindhoven, certamente pode sentir um pouco do gostinho holandês desbravando as cidades Carambeí e Castrolanda, colônias holandesas encravadas na região dos Campos Gerais, no Paraná.
No último domingo, minha mulher e eu resolvemos explorar a região sobre duas rodas. O roteiro estabelecido inicialmente previa sairmos de Ponta Grossa no domingo pela manhã em direção a Carambeí, pela PR-151. De lá, pegaríamos a Rua dos Pioneiros, seguindo por estradas secundárias até a PR-340, para seguirmos em direção à Castro, onde pegaríamos o ônibus às 18 horas de volta para Curitiba.
As bicicletas foram levadas de ônibus até Ponta Grossa – a viação Princesa dos Campos cobra uma taxa de R$ 20 pelo transporte das magrelas, no momento do embarque. Em Ponta Grossa dormimos na casa de uma amiga e, como planejado, no domingo, caímos na estrada junto com os primeiros raios de sol.
Sem muitos atrativos (exceto pelos campos verdes), o trecho de 20 quilômetros entre Ponta Grossa e Carambeí é bem movimentado, com intenso fluxo de caminhões. Mas o acostamento é largo o que garante um nível de segurança aceitável para o pedal.
Com cerca de 20 mil habitantes, Carambeí é a Pequena Holanda paranaense. A região recebeu os primeiros imigrantes holandeses em 1911. Os trabalhadores vieram para trabalhar na construção de uma linha férrea e cada família, ao chegar, recebeu um lote de terra, uma casa de madeira e três vacas leiteiras.
A referência às raízes holandesas fica evidente logo no trevo de entrada da cidade, onde existem duas réplicas de moinhos de vento. As ruas limpas, as casas com imensos jardins de gramados impecavelmente verdes e bem aparados, as flores alegres e coloridas também ajudam a reforçar a sensação de que estamos de fato em um território do Reino dos Países Baixos.
Na Rua dos Pioneiros, há uma ciclofaixa para os trabalhadores da Batavo. Não chega a ser uma ciclovia que se compare às que existem em Amsterdã, mas é o suficiente para garantir a segurança de quem quer ir e vir de bike em Carambeí.
Um dos atrativos obrigatórios para quem visita Carambeí é a famosa confeitaria Frederica’s Koffie Huis, conhecida pelas deliciosas tortas e doces — adivinhe! — holandeses. Mas, infelizmente, o local só abre aos domingos a partir das 14 horas e tivermos de deixar o plano de lado.
Seguimos pela Rua dos Pioneiros até o Parque Histórico de Carambeí (PHC), dedicado a contar a história da colonização e da cultura neerlandesa na região. Inaugurado em 2011 para celebrar o centenário da imigração holandesa no Paraná, o PHC possui um museu, pinturas de artistas radicados no Paraná, uma exposição de tratores antigos e a reprodução de uma vila com as construções típicas do período colonial. Vale muito a pena a visita. O parque funciona de terça-feira a domingo, das 11h às 18h. O valor da entrada é R$10,00 (inteira) e R$5,00 (meia entrada para crianças de 6 a 12 anos, professores, estudantes mediante apresentação de carteirinha e doadores de sangue).
No parque também há um Koffie Huis, confeitaria e cafeteria tradicional. Ali vale provar o café expresso, a tradicional torta holandesa e a deliciosa torta de damasco com chocolate branco.
Seguindo pela Rua dos Pioneiros, o asfalto acaba e começa uma estrada de terra, passando por pequenas e médias propriedades rurais dedicadas à produção de leite e frango para as cooperativas da região. Além das vaquinhas holandesas, também é possível desfrutar da paisagem composta por campos verdes com plantações de trigo, soja, feijão e milho.
A fauna da região também é bastante rica. Durante o pedal, pudemos avistar seriemas, gaviões-carcará e uma lebre-do-mato. Os moradores locais garantem que, no entardecer e durante a noite, também é fácil avistar lobos-guarás. Mas, infelizmente, não vimos nenhum exemplar deste que é um dos meus animais favoritos da fauna brasileira.
Seguindo pela estrada de terra, passamos em frente a capela da paróquia de São João Batista, onde estava sendo realizada uma tradicional quermesse. Poucos metros adiante, paramos as bicicletas, nos olhamos e perguntamos ao mesmo tempo: Vamos voltar? Respondemos também em uníssono: “Vamos!!!”; e decidimos ficar para a festança.
Ali havia tudo o que deve haver em uma tradicional festa de paróquia do interior: a comunidade reunida, o churrasco, a cerveja, a música caipira de verdade (nada de “sertanejo universitário” ou “country rock”). Lá estava o prefeito, de calça jeans e camisa xadrez, comendo carne com a mesma mão engordurada que cumprimentava os eleitores e passava na cabeça das crianças loirinhas.
Teve também leilão de um bode com um chifre quebrado – arrematado por R$ 230 –, de um boi, que saiu por R$ 750 e de uma porca com o porquinho, que foram comprados pelo lance final de R$ 251. Um balde com cinco quilos de mexerica (mimosa), no leilão, custou R$ 20. A Andreza quis dar o lance de R$ 21, mas percebemos que não teríamos condições de levar tantas mexericas na bicicleta e que não daríamos conta de comer tudo ali mesmo. Deixamos para o outro comprador, que ficou com as frutas e também com o balde.
Teve também bingo de igreja; rodada simples para ir mais rápido: vertical, diagonal e quatro cantos. Os prêmios: um ferro de passar, um chuveiro elétrico, um perfume vagabundo, um par de tênis (tamanho 40) e uma jarra de vidro brega. Fiquei “pela boa” para ganhar a jarra, mas as pedras nº 2, 15 ou 51 não saíram e outro sortudo ficou com o (nem tão) cobiçado prêmio.
Dançamos vanerão e, com as panças cheias de carne e devidamente reidratados, voltamos para a estrada com nossas magrelas. E foi a partir daí que as coisas começaram a dar errado.
Estávamos preparados para encarar o desafio de uma estrada de terra, mas encontramos um atoleiro de “areião” praticamente impossível de se transpor. Tudo isso, claro, com uma subida íngreme. Assim, a velocidade média despencou para algo em torno dos 10 km/h. Com as passagens de volta compradas para as 18 horas na rodoviária de Castro, percebemos que precisaríamos correr contra o relógio para vencer os 50 quilômetros que ainda faltavam.
Só isso já seria o suficiente para provocar fortes emoções, mas as diversas bifurcações ao longo da estrada se encarregaram de nos colocar diante de alguns dilemas. No primeiro entroncamento, tomamos o caminho da direita – sem mapa e sem lógica alguma, apenas seguindo nossa intuição. Para ter certeza, paramos um carro que passava pelo local e fomos informados que, qualquer um dos caminhos nos levaria à Castro. Ufa!
Na segunda encruzilhada, decidimos pela esquerda. Fazia sentido, já que a estrada asfaltada, tecnicamente, estaria naquela direção. Mas não estava. Em determinado momento, tendo pedalado alguns quilômetros, decidimos voltar ao ponto da bifurcação. Seguimos então pela direita, em uma estrada que terminava abruptamente na entrada de uma fazenda.
Imagine a situação: um casal perdido, o relógio correndo e o sol cada vez mais baixo. Não demorou para que as primeiras lágrimas da Andreza viessem à tona. “Estamos perdidos, não estamos?”. “Não, não! Confie em mim!”. Mas não adiantou. Minha cara de preocupação entregou o jogo: estávamos perdidos (para não dizer f#d!d0$!).
Decidimos entrar na fazenda para pedir ajuda ou alguma informação de como chegar na estrada para Castro. O caseiro da propriedade nos disse que poderíamos pegar a estrada e passar por dentro da Fazenda São João. A PR-340 estrada estaria a 13 quilômetros de distância. Chegando lá, deveríamos pedalar mais 25 km no asfalto até Castro. “Chegando no tronco, vocês viram à direita”, disse o caseiro enquanto desenhava no chão, indicando uma curva à esquerda. Na dúvida, perguntei: “Direita ou esquerda?”. “Direita”, ele confirmou, apesar de, novamente, se contradizer enquanto riscava um mapa no chão.
Pedalamos como loucos em meio aos campos e regiões de mata nativa até chegarmos ao tal entroncamento, onde decidimos virar à direita, conforme orientado pelas palavras do caseiro. Um pouco adiante, novo dilema: uma porteira aberta à esquerda, em direção ao que deveria ser a estrada asfaltada ou a estrada de terra, que voltava em direção à Carambeí, que podia ser avistada lá longe no horizonte.
Tomamos a estrada da porteira e, alguns quilômetros à frente, ela terminou em uma granja, com imensos barrações para criação de frangos. A essa altura, nos demos conta de que não chegaríamos a tempo de pegar o ônibus em Castro. “A situação é a seguinte: estamos perdidos, temos menos de 20 minutos de luz do sol. A essa altura não adianta brigar, reclamar ou encontrar culpados. Em suma, estamos fodidos!”, disse à Andreza, que compreendeu e reagiu com serenidade e respondeu sorrindo: “Fazer o que? Um pouco de aventura não faz mal à ninguém!!!”
Voltamos para o ponto inicial e seguimos pela estrada que nos levaria de volta à Carambeí. Na primeira propriedade que encontramos, paramos para pedir informações (e ajuda). Ali fomos informados pelo chacareiro que deveríamos ter virado à esquerda no entroncamento lá atrás e que a estrada, naquele sentido, nos levaria de volta à Carambeí.
Perguntamos se haveria alguma possibilidade de ter uma carona para Castro, já que não teríamos mais tempo nem condições de pedalar por ali no escuro. Se havíamos nos perdido durante o dia, seria extremamente perigoso pedalar por aquelas bandas durante a noite. O chacareiro não se comoveu: “Não estamos indo para aqueles lados hoje”, justificou-se. “Sei disso”, insisti. “Te damos algum dinheiro e ajudamos a pagar a gasolina”, propus. “Não, moço. Hoje a gente não vai para aqueles lados…”.
Voltamos para o primeiro entroncamento, lá atrás, e tomamos a estrada em direção à Castro. Logo à frente, encontramos outra propriedade. O sol já havia se posto e decidimos arriscar mais uma vez com um pedido de ajuda, antes que escurecesse completamente. Fomos bem recebidos por uma mulher e explicamos a situação. Ela chamou o marido, que se dispôs a nos ajudar. “Dou uma carona sim. Para onde vocês preferem: Castro, Carambeí ou Ponta Grossa?”.
Como já havíamos perdido o ônibus em Castro, não faria mais sentido ir para lá. Escolhemos voltar para Ponta Grossa, onde teríamos chance de embarcar em um ônibus e chegar ainda no domingo para não perder o dia de trabalho na segunda-feira. Sem saber como agradecer, desmontamos as bicicletas e as colocamos no porta-malas do carro. “Não tem o que agradecer. Como dizem, estamos aqui para socorrer uns aos outros”, disse o lavrador Florisvaldo – que pediu para ser chamado de Baiano.
No caminho, paramos em um posto de gasolina e completamos o tanque com gasolina, em sinal de agradecimento. Chegamos à rodoviária de Ponta Grossa a tempo de pegar um ônibus e voltarmos para casa. Só quando sentamos nas poltronas nos demos conta do risco e da aventura que acabávamos de vivenciar.
O roteiro original, que incluía ainda as visitas à Castro e Castrolanda, teve de ser abortado “por motivos de força maior”. Ao menos fica um pretexto para voltarmos a pedalar no Paraná que fala holandês. Já a frustração de ter perdido o EFI (Every Fucking Inch) nessa aventura foi superada pela certeza de que é melhor se perder de bicicleta no meio dos Campos Gerais do que perder um domingo sentado no sofá assistindo Faustão.
Clique aqui e veja o álbum com mais fotos do Pedal em Carambeí.
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