Para um ciclista — viajante ou peregrino — nada é mais frustrante do que iniciar o dia com o pneu furado. Foi assim que a quinta etapa do Bike Compostela começou em Logroño. Além disso, um braço do suporte do bagageiro entortou com o peso dos alforjes, impedindo a roda traseira da minha bicicleta de girar livremente.
Esses pequenos contratempos atrasaram nosso pedal em mais ou menos uma hora, mandando para o espaço o já escaço bom-humor que tenho ao acordar cedo.
Mas não foi preciso pedalar muito para entender que, mesmo diante dos tombos e contratempos da vida, o importante é seguir em frente pelo Caminho.
Antes da entrada de Najera, tivemos um encontro emocionante com Didier, um francês que também está fazendo o Caminho de Santiago de Compostela sobre duas rodas – mas as dele são paralelas e presas a uma cadeira.
Portador de esclerose múltipla, Didier perdeu a capacidade de andar há cinco anos. Há alguns meses, iniciou em Bordeux, na França, sua peregrinação. Em sua cadeira de rodas, ele percorre entre 20 e 25 quilômetros por dia na Rota Jacobea. Durante a jornada, ele perdeu sua mochila com dinheiro e todos os seus pertences. Desde então, vem usando as coisas que encontra pelo caminho, deixada por outros peregrinos, e recorrendo à caridade para comer e se hospedar nos albergues.
Seu objetivo é chegar em Santiago de Compostela em busca de um milagre. “Acredito em Deus e quero voltar a caminhar. Nem que seja para dar apenas um passo”, diz.
Antes de alcançar seu objetivo, Didier diz que já sente os pequenos milagres do caminho acontecendo em sua vida. “Me sinto melhor fisicamente e também de coração. Não consigo parar e tenho de seguir em frente”, relata.
Mais que uma história emocionante, o exemplo força e perseverança de Didier é um tapa na cara do caminho para quem reclama da vida — ou de um mísero pneu furado. Ou, ainda, de quem pode caminhar e, mesmo assim, não sabe bem para onde ir…