Na manhã desta segunda-feira (28), a ciclista Letícia Rodante ia pedalando para a casa do noivo, onde almoçaria com ele. Mas ela não chegou ao destino: foi atropelada em um cruzamento por um caminhão, enquanto trafegava em uma ciclovia paralela à BR-277. Arrastada por cerca de cinco metros, ela morreu na hora e no local. Letícia tinha 36 anos e deixa uma filha de 13 anos.
Não se trata apenas de mais um a acidente de trânsito ou mera fatalidade. É impossível ignorar o fato de que a morte da ciclista foi causada por um veículo grande e pesado, levando nas laterais o brasão da Prefeitura de Curitiba. O motorista – que confessou à Polícia Rodoviária Federal que já se envolveu em um acidente que deixou um menor morto (e ainda não foi julgado) – é apenas mais um cúmplice. Há muito simbolismo na morte de Letícia e os fatos falam por si.
Conheço bem o trecho onde ocorreu o atropelamento, em uma ciclovia paralela à BR-277, no bairro Jardim das Américas. É por ali que passo todas as vezes que vou ao Centro pedalando. Trata-se de um trecho precário, com asfalto rachado, praticamente tomado pelo mato e sem qualquer tipo de sinalização ou iluminação. Mas é a única infraestrutura disponível para quem quer acessar o Centro a partir deste ponto da cidade – é isso, ou arriscar-se no acostamento da BR. Chegamos ao ponto em que nem mesmo as ciclovias são um lugar seguro para quem quer pedalar em Curitiba.
A morte de mais um ciclista nas ruas da cidade é perturbadora. Não é a primeira, nem a segunda. Já são quantas mortes desde o início do ano? Puxando pela memória, dá quase uma fatalidade a cada 15 dias…
Isso tudo sob um governo que prometeu fazer de Curitiba uma cidade exemplo em ciclomobilidade, cujo prefeito foi tomar posse pedalando – e que tem pessoas comprometidas com a causa das duas rodas em cargos comissionados no Ippuc e na Setran. Mas, prestes a alcançar metade de seu mandato, o que Fruet tem a mostrar, além do saldo trágico e de meia dúzia de promessas, das quais só cumpriu 1%?
Recentemente, a prefeitura de Curitiba comemorou o fato de que o número de mortes no trânsito ter caído 20% no ano passado. Porém, o saldo é de 191 pessoas que perderam a vida nas ruas da cidade em 2013, algo ainda bastante incômodo e significativo.
Nova York colocou como meta zerar as mortes no trânsito daquela cidade em uma década. Qual o plano de Curitiba? Quantas mortes são toleradas por ano por aqui? Como reduzir o número de fatalidades? Será que é possível chegar lá usando apenas os conselhos engraçadinhos de uma personagem fictícia “que sabe tudo de bailão, de Facebook e, claro, de trânsito moderno”?
No limite
A esperança de que as coisas podem melhorar está por um fio. A cada morte registrada, a utopia de uma cidade humana vai ficando mais distante. Casos como o de hoje tornam inviáveis quaisquer argumentos para convencer as pessoas de que é possível ir de bike e voltar vivo para casa. Ninguém quer ser mártir de uma causa. O que os ciclistas querem é apenas poder optar por um meio de transporte alternativo, eficiente e viável para curtas distâncias.
É preciso se ter em mente que essa onda de desilusão pode frear um dos poucos impulsos de energia cívica que ainda resistem em uma cidade cada vez mais individualista. Mas, como bem observou o leitor do blog Ítalo Moura ao comentar o post sobre a morte de Letícia, no fim das contas, a prefeitura vai acabar cumprindo sua promessa de resolver o problema da ciclomobilidade. A solução é simples: “Sem ciclistas, sem problemas”.
Outro lado
Por meio de nota publicada por meio das redes sociais, a Prefeitura de Curitiba diz lamentar profundamente o acidente que resultou na morte da ciclista e informa que o motorista do caminhão envolvido no acidente vai passar por perícia médica e está afastado de suas atividades. “A Prefeitura acompanha as investigações dos órgãos responsáveis sobre as circunstâncias do acidente para então avaliar que procedimentos serão adotados”, completa a nota.
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