A maior obra cicloviária de Curitiba nos últimos anos, na avenida Fredolin Wolf, é um monumento a céu aberto da incompetência do poder público municipal em projetar, executar e manter uma estrutura cicloviária minimamente funcional.
Trata-se de uma obra cara, que atrasou cerca de dois anos, e que agora será entregue como um arremedo de ciclovia que repete os erros de uma gestão que pouco ou quase nada fez para a ciclomobilidade.
Mas, para quem vive apenas a realidade mágica da Curitiba da prancheta, está tudo muito bem, obrigado: afinal, “as ciclovias ligam Curitiba de ponta a ponta”, como jacta-se a Prefeitura.
Pela ciclovia da Fredolin Wolf, que terá 7,6 quilômetros, “o ciclista poderá seguir pelo bairro São Lourenço e chegar ao Norte até o Cachoeira, ou ao Centro da cidade, Tarumã, e mesmo ao Xaxim”.
Mas não se deixe enganar: a obra nada mais é do que uma repetição do que se entregou aos ciclistas em Curitiba nas últimas décadas: ciclovias “compartilhadas”, sempre associadas a intervenções modeladas em função da prioridade ao automóvel.
Ciclovia compartilhada é a jabuticaba de Curitiba. Mas nem o compartilhamento é como o prometido. As placas sugerem a divisão do espaço de 1 metro de largura “apenas” entre ciclistas e pedestres. Mas, no dia a dia, postes, placas, pontos de ônibus, publicidade, árvores, entradas e saídas de veículos e carros estacionados também compõem a paisagem.
Sem espaço na rua — e na própria ciclovia –, o ciclista curitibano também acaba acuado naquele que foi pensado para ser o seu espaço.
Também falta algo elementar: guias rebaixadas. Isso torna o que deveria ser um deslocamento tranquilo em um verdadeiro circuito de aventuras. Quem quer apenas ir e vir de bike e não está disposto a “dropar” a guia a cada cruzamento, não se encoraja em usar essa infraestrutura.
Aí temos o pior dos cenários: o dinheiro público é gasto para fazer algo que acaba não sendo usado (e a culpa não é do ciclista). Com isso, a prefeitura justifica o baixo investimento de infraestrutura cicloviária (o que também não é culpa dos ciclistas).
E, nas falta de ciclovias minimamente funcionais, os ciclistas vão se aventurar nas ruas — onde não há sequer presença do poder fiscalizador — ou nas canaletas, onde muitos se sentem “mais seguros”. O resultado é trágico e pode ser explicado pelas 80 mortes de ciclistas nas ruas de Curitiba nos últimos quatro anos.
É a incompetência e falta de planejamento criando a crônica de uma tragédia anunciada. O dono da empreiteira ri; e o ciclista que se exploda.
O poder do planejamento
Pesquisadores do Departamento de Econometria da cidade de Delft, na Holanda, realizaram um estudo chamado “Determinantes do uso da bicicleta: políticas públicas fazem diferença?”. O estudo levantou dados de 14 cidades holandesas e chegou a conclusão de que o tratamento público dado a bicicleta influencia diretamente os níveis de uso desse modal.
Ciclovias bem planejadas, sem obstáculos, seguras e formando uma rede compatível com os deslocamentos origem-destino da população tem grande poder de atrair novos usuários — mesmo em cidades em que a frota de veículos motorizados é grande.
Em Curitiba, implantar “a maior obra cicloviária” facilita a propaganda de uma cidade que vive da imagem de ter “a segunda maior rede (SIC) cicloviária do país”.
Mas o número de ciclistas que fazem uso dessas ciclovias é o indicador que deve ser observado. O último grande levantamento sobre ciclomobilidade, realizado pelo Ippuc em 2008, apontou que 53% dos ciclistas curitibanos fazem uso das canaletas do ônibus expresso.
As quatro maiores razões apresentadas para usar a canaleta são: porque é mais seguro (30,82%); porque tem menor fluxo de veículos (14,94%); porque é mais rápido (14,88%); pela falta de ciclovias (13,21%).
Ou seja, apenas minoria usa a canaleta por falta de ciclovia. Se elas fossem projetadas sem obstáculos, em rede e nos principais eixos de deslocamento da cidade, segregada da calçada (que deve ser segura e de qualidade para o pedestre), certamente o número de usuários cresceria exponencialmente.
A “encruzilhada” que estamos é essa: qual o papel que queremos dar à bicicleta nos transportes urbanos de Curitiba e Região Metropolitana? Implantar quilômetros de ciclovias que servem para tudo — menos para serem usadas pelos ciclistas — não nos levará a lugar algum.
Colaborou (e muito!) Rafael Milani Medeiros
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